Assinar


Anadia

Museu Luciano de Castro mais rico

O Museu José Luciano de Castro, da Misericórdia de Anadia, está mais enriquecido, graças a um gesto de grande generosidade e de sensibilidade histórica e cultural. João Venâncio Marques doou todo o seu espólio, caso senão único, de certo muito raro no país, constituído por imensos volumes de recortes de jornais, que envolvem praticamente um século. Não foi coisa pouca. São mais de 50 mil recortes, embora a exposição patente, para assinalar o evento, mostre apenas uma pequena parte.

Revisitação ao passado. O facto foi celebrado, como “uma festa”, no último sábado, com a presença do doador, provedor da Misericórdia, Carlos Matos, director do Museu, Carlos Alegre, historiador, Nuno Rosmaninho; a nível político, presidente da câmara, Litério Marques, e presidente da JF, Fernando Fernandes, além de outros autarcas, e muitas pessoas, o que motivou uma pequena, mas significativa sessão solene, na sala de recepção. Testemunhas de um nobre gesto e de um acto cultural de alta relevância.
Carlos Matos deu as boas vindas, congratulando-se com o gesto de João Venâncio Marques, que “teve a sensibilidade de oferecer à Misericórdia” um acervo de inegável valor, trabalho que corresponde a milhares horas de trabalho e, portanto, doou-se também, de certo modo. Realçou a mais valia que este significa, porque “o Museu precisa de fundos para poder funcionar”. Com este espólio, o espaço ganhará mais dinâmica, para além das exposições temporárias, que “custam sempre algum dinheiro, que tem de sair de onde já falta”, ou seja da Misericórdia.
Ao historiador Nuno Rosmaninho, já muito familiarizado com este acervo nas suas constantes pesquisas (história de Anadia, neste último século, não se poderá fazer sem a sua consulta obrigatória) começou por referir “a sua importância para os estudos locais, e não só”, e enalteceu “a disponibilidade completa” de João Venâncio Marques, no caso das consultas do acervo, “ importante e útil para estudar um sem número de temas”, pois que nele se “encontra sempre alguma coisa” os temas mais diversos: política, teatro, vitivinicultura, Anadia F. Clube, gastronomia, fotografia, figuras, notícias por cada terra, um mundo de referências, tudo devidamente organizado e arquivado em pastas específicas. O que significa “um trabalho bem maior do que, à primeira vista, parece”. Usando uma metáfora gastronómica, disse mesmo que isto “assemelha-se a um verdadeiro banquete para quem gosta da história local”. Como ele, Carlos Alegre e outros. Considerou ainda que a catalogação e a disposição dos recortes, que irão ser digitalizados, para um serviço mais alargado, não são o resultado de “um trabalho mecânico”, mas tem a marca do autor e assim deverá ser preservado. “A melhor opinião é sempre a dele”.
Quanto à localização, Nuno Rosmaninho não deixou de lembrar que “é um sítio natural, um óptimo local” que de si já é de serviço à comunidade e que vem enriquecer o património cultural da Misericórdia, mas não deixou de considerar que, se fossa na Biblioteca Municipal, também não era mal. Por si só este espólio dos recortes constitui “um instrumento de enriquecimento local”, através do qual, qualquer um poderá “fazer uma revisitação ao passado” pelo seu grande potencial de referências.

“Esfrangalhador de jornais”. Litério Marques classificou os milhares de recortes como “um trabalho fantástico” e louvou João Venâncio Marques, “um amante dos feitos históricos”, da sua amada Anadia, “esta aptidão excepcional”. Com vista à memória futura. “Este é o caminho que tem seguido”.
Por sua vez, João Venâncio Marques, que era um homem feliz e se sentia realizado, fez questão de associar a doação também à esposa. Para ele, era “um dia grande” e recordou que “esta actividade de esfrangalhador de jornais” já leva 65 anos. Era ainda adolescente, quando começou “uma história que é difícil de explicar”. Uma mania, um vício, um coca-bichinhos? Fosse o que fosse quem ficou a ganhar foi a memória colectiva das gentes de um concelho. Ele foi um incansável e discreto trabalhador da cultura, o guardião da história local de cem anos, o que lhe confere um estatuto singular e único e que, na hora certa, soube entregar, em boas mãos, um espólio de uma riqueza incalculável.

Armor Pires Mota