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Carta aberta ao Primeiro-Ministro

Exmo. Senhor Primeiro Ministro:

Lamento não ter recebido qualquer resposta à minha carta datada de 15/12/2011, para além de uma secretária do Secretário de V. Exª ter acusado a recepção.
Para comparação: Sempre que entendi conveniente, escrevi ao Exmo. Senhor Doutor Oliveira Salazar e, no mínimo, recebia um cartão de Sua Ex.ª a acusar a recepção e o destino dado à minha carta.
Não é que tenha saudade do anterior regime, para além da segurança em que vivíamos e de uma burocracia mil vezes menor.
Tenho dividido com os outros os dias da vida e jamais fui capaz de, propositadamente, prejudicar alguém, cumprindo, aliás, um dever de dignidade.
Talvez por isso, Deus tenha sido magnânime comigo, dando-me tempo e humildade para aprender, porque sabia que o proveito dessa aprendizagem, seria repartido com a Sociedade.
Com a minha boa fé e a esperança de que V.Exª. seria mais um Companheiro para a minha jornada, abracei-O sem O ver e dei a minha integral aprovação ao programa do Governo apresentado aos Portugueses, embora tivesse consciência das dificuldades da sua execução.
Mas lembrei-me de mim que, ao estabecer-me com um comércio aos dezasseis anos e cinco meses, ouvi um vizinho confidenciar a um amigo: Olha este maluquinho que ainda “cheira a fraldas”, e já quer ser comerciante!
Ao invés de me sentir ferido com o comentário, aquela referência depreciativa aumentou a minha capacidade para vencer as dúvidas da Sociedade e, em poucos anos, passei a ser uma referência merecedora de destaque.
Talvez por esta recordação do princípio da minha vida, que havia de terminar industrialmente com o título de maior produtor na indústria de barro vermelho, na década de 80/90 e, ainda com mais de nove dezenas de anos sinto a força de vontade dos trinta e continuo a lutar com coragem pelos meus deveres Sociais, no âmbito dos quais se insere esta carta.
Foi por isto que, ao ler o programa do Governo que V.Exª. apresentou, pensei que, como eu, também V.Exª e o seu Governo, seriam capazes de triunfar das dificuldades, pelo bem do País e vencer os interesses pessoais ou de grupo que, há dezenas de anos, vêm destruindo este Povo que, com a sua coragem, grangeou a admiração  do Mundo!
Infelizmente, aqueles privilégios parecem ter sido mais fortes e estão a apagar, aceleradamente, as esperanças de tantos milhões de Portugueses!
Foi pena V.Exª. não ter tido coragem de lançar a primeira pedra do Mundo Novo, que virá um dia, porque este em que vivemos é demasiado mau e terá de ser substituído por outro que será, trágico ou redentor!
Nesta situação onde não se vislumbra qualquer iniciativa válida para fazer surgir o investimento que possibilite o emprego e a alegria de viver a toda a Sociedade, não podemos continuar, ainda que com  muitas iniciativas, mas completamente vazias de conteúdo, que se vão tornando em autênticos “teatros de ilusões”, porque:
Uns não sabem o que dizem e, os poucos que sabem, não querem ou não lhes convém falar, porque a sua comodidade ou os seus interesses, assim lho impõem.
Só há uma maneira de acabar com a falta de emprego mas essa nunca surgirá, enquanto as Leis Fiscais e Laborais não forem drasticamente remodeladas, assim como o ensino técnico, peça importante pela escassez de técnicos/profissionais capazes, e com a justiça a funcionar dignamente.
Não é suficiente que haja dinheiro para se implantarem empresas eficientes pois, tão importante ou mais do que aquele, são necessárias condições e essas, já atrás as referi, nem entregar o que nos vai custar suor e lágrimas a pagar ao investimento público, para ser desbaratado em mais elefantes brancos, tão do agrado das Centrais Sindicais, para terem as regalias que todos conhecemos.
Infelizmente, os poderosos Estados mataram os líderes, em Portugal e no Mundo e, essa é, a verdadeira causa da crise actual.
Os tentáculos dos Estados asfixiaram o prazer de imaginar e realizar aceitando o concomitante risco porque, no fim desse sacrifício não existe a posse real de quase nada.
E digam o que disserem, “o homem comum” só trabalha com afã quando pensa que o sacrifício é compensado com proventos; Basta meditar no que se passou na Rússia e seus antigos satélites e ainda hoje nalguns Países da América Central e do Sul.
Escrevo em dia de Carnaval e creio que vale a pena referir o exemplo de indisciplina que deram a maioria dos Municípios que os Governos anteriores e o de V.Exª, continuam a privilegiar, insensíveis aos desvarios económicos da maioria deles que se endividaram muito para além da Lei e do bom senso e o fizeram para comprar coisas ou obras desnecessárias e até, pagar os salários dos afilhados políticos.
Para este fim, insensíveis à crise e aos sacrifícios dos  Munícipes, entraram em negócios e fizeram sociedades como as águas, que regam ordenados principescos, inventando e elevando ao máximo todas as taxas possíveis.
E o povo paga porque não tem voz que chegue ao Poder, mas vive revoltado… e essa revolta recalcada, não é boa companheira.
É claro que nem todos fazem esta política, mas são, seguramente, a maioria.
Não digo que a proibição do Carnaval mereça o aplauso unânime, longe disso, sobretudo por ter sido tomada tarde demais; Mas quando O Chefe da Família é publicamente desautorizado, há um sinal seguro de indisciplina, com a qual é impossível governar bem por falta da indispensável autoridade.
E é com a visão nos olhos,  de tantos milhares de velhos sem se poderem alimentar convenientemente e comprar, ao menos, alguns dos mais indispensáveis medicamentos, crianças indefesas e jovens desiludidos e sem rumo, que medito e escrevo as minhas últimas palavras…
Pensando em tudo o que antecede e na situação alarmante da nossa economia, eu, e creio que todos aqueles que rejubilaram com o seu programa de reformas, que deveriam ter sido feitas há tantos anos e cada dia mais se impõem, apelam à inegável inteligência e coragem de V.Exª, para que, enquanto tem a maioria do País ao Seu lado, as implemente rapidamente nesta hora tão difícil, antes que tenham de ser feitas no turbilhão da tragédia!
E termino com mais um aviso: É urgente que a economia comece a crescer mas, isso não acontecerá enquanto os Impostos e as Leis, não forem ajustados a condições favoráveis, pois os indispensáveis investidores, internos ou externos, que aplicarem os seus capitais, têm o direito de os defender, bem como o lucro, para que este possa ser reinvestido no crescimento e modernização das empresas e na criação de mais postos de trabalho.
Tal como a primeira carta que escrevi ao Senhor Primeiro Ministro, também a esta, entendemos dever aditar algumas correcções, fruto da, para nós, cada dia mais acelerada degradação da nossa economia, que os nossos profissionais desta arte, não têm querido ou sabido destacar.
Deste facto, pedimos desculpa ao Senhor Primeiro Ministro.

Comendador Almeida Roque

in Jornal da Bairrada, Março de 2012