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Manuel Armando

Padre

Ano novo, vida nova! Em quê?

Nunca fui dado a grandes euforias e folguedos em determinadas datas ou efemérides, não sei bem porquê. Talvez, efeito de uma vida familiar de infância quando na casa não havia posses para alaridos supérfluos escusados. Mas de forma nenhuma condeno quem, aos saltos e no meio de barulho, quer dar largas aos seus entusiasmos ou, desse modo, procura esquecer, por momentos, as agruras e carências no desenrolar de muitos dias.

Transpomos factos e passagens da vida que jamais se fixaram ou voltam a repetir-se. Isto sem novidade para ninguém. Em cada ano recordamos a data que, como sempre nos disseram, corresponde à nossa vinda à luz de uma vida terrena. Mas, cada vez que isso sucede, olhamos para trás e reparamos num fumo a desvanecer-se sem poder aquecer nada. O que se aproveitou dos tempos que desapareceram nos horizontes humanos é que nos vai dando alento para continuarmos a aviventar certa esperança de um futuro profícuo que também nos ultrapassa conhecer.

Cada um nasce sem preconceitos, mas também desconhecendo alvos a atingir. No desenrolar dos dias, somos tentados a elaborar bases que conduzam a existência naquela finalidade que pode fazer descobrir o desenvolvimento anímico, acompanhado do crescimento físico, moral ou religioso.

Neste caminhar constante é fácil fazerem-se propósitos para que tudo dê certo. Escolhem-se vocações e estados de vida, vai-se tomando consciência da necessidade de trabalhar sem parar, em comum com os outros, desprezando vaidades egoístas e não facilitando o parasitismo quando a maioria se esforça por remar com força, frente a tempestades e procelas que, na realidade, alastram e destroem o que existe de melhor, a vida.

Fazem-se votos, formalizam-se desejos, escancaram-se sorrisos e acenos, mas não se vence a quimera que permanece na mente de muitos. Tais atitudes, frequentemente, não deixam de ser apenas figuras da retórica barata sem qualquer alcance prático e útil.

Há valores que, diária e progressivamente, vão sendo desprezados e não são nunca substituídos por outras virtudes que devam fazer crescer o Homem em todas as suas dimensões vitais.

Acontece aquilo que apelidamos de Ano Novo. Estalam foguetes, nos ares ouvem-se estridentes músicas, há abraços, levantam-se umas tacitas de saboroso líquido, trocam-se mensagens e lembranças doces e abundantes, reúnem-se amigos e conhecidos, baila-se a vida, em suma, esquece-se, por alguns instantes, o amargor existencial, deixando-se para trás o tempo que passou com as suas vicissitudes agrestes indesejadas.

Não se olha o passado, mas quem será o construtor de planos seguros, conscientes e empenhados, para erguer o seu futuro, partilhado com os outros que são parte integrante da comunidade?
Rasgam-se calendários e agendas nos quais se embrulham as mazelas e pecados dos dias idos, mas não se arranca para uma transformação positiva da humanidade de cada um.

Produzem-se novas páginas contadoras do tempo e segredos, voltando, todavia, tudo ao ramerrão de sempre. Ou melhor, com o transcorrer das épocas, o homem pode crescer na estatura, na economia, no saber e no ter, mas atrofia-se quando esquece o que é mais premente e, assim, entra na degradação de usos e costumes, pois dessa maneira constrói-se uma sociedade amorfa e sem vontade de elevação, embora muito diligente em destruir a maravilha que é a ordem da Criação.

O dia de Ano Novo é igual a todos os outros dias que os calendários nos escancaram. Nós é que temos de inovar quanto vivemos e experimentamos para o nosso viver se apresentar cada vez mais novo e, oportunamente, atraente.

Cada dia que gozamos é sempre o início de qualquer idade que se desenrola. O que interessa é firmar propósitos de empenho pessoal modificador para que o mundo global, a partir de nós mesmos individualmente, seja mais equitativo e justo.

Esqueçam-se os marcadores do tempo e atenda-se á missão específica diária para tornarmos a comunidade intensa, feliz e aberta à fraternidade. A vida nova supõe e exige que toda a pessoa se renove na consciência tranquila, assente na paz.

Convenhamos que o muito estardalhaço alienante apenas entorpece e adia o bem-estar tão afanosamente procurado.