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Júlia Gradeço

Diretora do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Bairro (AEOB)

O nosso mundo era mesmo maravilhoso… e vai voltar a ser

Em 1971 dizia-nos José Mário Branco, a cantar: “… todo o mundo é composto de mudança…” – mas como estavas certo, Zé!

Sem que nada o anunciasse, sem que alguém o pudesse impedir, tudo no nosso dia-a-dia mudou repentinamente: o pijama passou a ser a peça de vestuário mais relevante; a maquilhagem foi esquecida; o bulício da rua deu lugar a um silêncio perturbador, a mesa transformou-se em secretária, a sala em escritório, os pais deixaram de levar os filhos à escola, o cafezinho já não é o momento de convívio, não há disputas nas bancadas de qualquer desporto, o sábado e o domingo confundem-se com os restantes dias da semana. E aquela sensação de dever não cumprido, de cansaço sem trabalho árduo, carência de solidão apesar de confinados… hoje é tão igual a ontem, não se anunciam novidades para amanhã, mas tudo é estranhamente tão diferente.

Imagino como se vão sentir assustadas as crianças, ao depararem-se com estranhos a sorrir, bocas a falar, mãos a tocar, abraços e beijos a acontecer, gente a atropelar-se nas ruas, … Afinal há mundo para além do nosso pequeno mundo, pensarão sobressaltadas!

Não sabemos se o futuro está para breve, mas é imperioso pensar em prepará-lo, para não sermos mais uma vez surpreendidos.

Esta pandemia não distinguiu o pobre do rico, o bonito do feio, será uma lição, se quisermos reconhecê-la, se soubermos aproveitá-la. Mais uma vez a escola assumirá um papel decisivo na retoma. Terá que ser avaliado o que se perdeu e como recuperar; o que se ganhou e como usufruir.

Todos estamos a fazer um esforço enorme para que o ensino à distância funcione, mas não é a mesma coisa! Falta a experimentação, a sociabilidade, a facilidade de expor dúvidas e esclarecer no momento, a correção, a seleção de opções, a concentração, o ritmo, a oportunidade da diferenciação pedagógica. Acentuam-se as desigualdades, porque os apoios familiares não são idênticos, nem tão pouco os recursos. Até podem quase todos ter um tablet ou um computador, mas as competências de utilização não são as mesmas, as condições de trabalho também não.

Temos vindo a tratar aprendizagens essenciais, uma ferramenta importante, mas que resulta de uma seleção, não de uma revisão e adaptação dos currículos, que agora se justificará e poderá representar uma oportunidade de melhoria e desenvolvimento de autonomia. A comunidade educativa deverá ser chamada a pronunciar-se, pois as famílias entenderão com certeza o que os seus filhos deixaram de aprender e as competências que não desenvolveram; os professores saberão o que ficou por ensinar e a orientação que não foi dada, os assistentes operacionais reconhecerão a sociabilidade que está em défice.

Acredito que os nossos governantes desejam a mudança, com a contributo de quem está agora a viver dificuldades e que, como nunca, reconhece o que faz falta, valoriza o que lhe passava despercebido. Após esta crise profunda, a história reviverá dias, anos, de mudança, temos de acreditar que o presente está a dar uma oportunidade a um futuro renovado, assim nós o saibamos renovar.

Afinal, o nosso mundo era mesmo maravilhoso e vai voltar a ser.

E José Mário Branco continuava, cantando “…troquemos-lhe as voltas, que ainda o dia é uma criança” – a criança está a demorar a crescer, Zé, mas vai lá chegar!

Vamos acreditar que voltaremos a ser felizes!