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Anadia // Moita  

Arte de rua devolve beleza a antigo moinho no Saidinho (Moita)

Cores fortes colocam em destaque, em forma de figuras geométricas, elementos ligados ao moinho (mó, pás ou hélices dos antigos moinhos movidos a vento), mas também a espiga, o trigo, o burro e o moleiro.

Um antigo moinho de água localizado na aldeia do Saidinho, recuperado pela Junta de Freguesia da Moita, ganhou cor através das mãos de dois conceituados artistas plásticos anadienses. Falamos de Carlos Amaral e Pedro d’Oliveira que transformaram as suas paredes despidas em belíssimos quadros que imortalizam a história da freguesia, ligada ao cultivo e transformação de cereais.

“Foi-nos pedido para abordar o que eram os moinhos há décadas, pois a paisagem serrana era completamente diferente da atual. Não havia eucaliptos nem pinheiros”, começa por explicar Carlos Amaral, sobre um passado em que a cor da paisagem serrana se transformava ao sabor das estações do ano, predominando no verão os dourados e os tons amarelos das plantações de trigo, milho, centeio.
Neste local, onde outrora existiram vários moinhos, resta apenas este, já que os restantes ficaram, entretanto, submersos pelas águas da barragem.

O projeto agora executado pelos dois artistas plásticos começou a ser gizado por Carlos Amaral em maio, já que o próprio fizera outro mural na Moita, sendo, por isso, conhecedor da história da freguesia: “o trabalho está focado em eternizar os tempos idos da cultura dos cereais”, e nada melhor do que ter como tela precisamente um moinho.

Em tempo recorde (cinco dias), os dois artistas plásticos realizaram uma verdadeira maratona de trabalho, que nem o sol tórrido e as temperaturas elevadas conseguiram travar.

“Todos os dias fazíamos uma média de 12 horas de trabalho”, recorda, entre sorrisos do seu ‘cúmplice’, Padro d’Oliveira. “Íamos bem cedo, levávamos almoço e só quando desaparecia o sol no horizonte, lá para as 21h, dávamos o dia por terminado”, continuou Carlos Amaral.

Ainda assim, ambos lembram as dificuldades daquela semana (última de julho) marcada pelo calor extremo, do “desafiante” trabalho realizado em cima de andaimes, sempre sob o olhar curioso e atento dos poucos moradores da aldeia que, ao passar pelo local deixavam palavras de ânimo.

“As pessoas gostam e, nestes lugares pequenos ficam gratas por se lembrarem delas”, reconhecem, até porque ambos com vasta experiência em arte de rua, lá vão dizendo que este tipo de arte acaba por trazer uma grande visibilidade aos locais, assim como são espaços mais cuidados e preservados. “Há respeito pelo trabalho dos artistas”, prosseguem.

A obra já terminada, segundo Carlos Amaral, está enquadrada numa zona onde predomina a tonalidade esverdeada, seja nas encostas da serra, seja no espelho de água, pelo que havia a necessidade de criar algo atraente e com visibilidade para quem passasse na estrada. Daí, a opção por cores fortes, impactantes, mas com imagens ligadas ao quotidiano serrano e aos moinhos.

Assim, ganharam vida figuras geométricas ligadas ao moinho (mó e a ventoinha dos antigos moinhos movidos a vento), mas também a espiga, o trigo, o burro e o moleiro.

“Todas as figuras estão organizadas tendo por base uma forma geográfica e cromática que desse vida e equilíbrio ao trabalho”, explica Carlos Amaral, que conclui: “é sempre um desafio muito interessante porque temos estilos distintos. Acabo por ser eu a fazer essa metamorfose porque, estando ligado à publicidade (área em que as regras são ditadas pelos clientes), é-me mais fácil ajustar, porque o Pedro tem um estilo mais expressionista, mais impulsivo”, sublinha.

Os dois artistas plásticos, habituados a trabalhar em estúdio, têm também uma grande paixão pela arte de rua e por murais. “Este tipo de trabalho é um desafio grande, sobretudo em termos físicos”, frisa Pedro d’ Oliveira. Dificuldades sentidas também por Carlos Amaral: “andar a pintar deitado, junto ao rodapé ou em posições menos convencionais, todo torcido, por vezes, torna-se difícil, sobretudo se for durante muito tempo”, aludindo a um trabalho anteriormente realizado por si num dos muros da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Anadia.

Ao JB, o presidente da Junta de Freguesia da Moita, Manuel Neves, revelou o desejo da autarquia em continuar a apostar na arte de rua, “sempre ouvindo as populações”, pelo que este será um trabalho que vai chegar a mais lugares da freguesia, sendo o próximo, a inaugurar em setembro, o mural do Poeta Cavador, em Vale de Boi.

O moinho, propriedade da JF, perpetua a memória de outros moinhos que outrora existiram junto à Barragem do Saidinho e que ficaram submersos pelas suas águas. Este, completamente recuperado e a funcionar, representou um investimento global de aproximadamente 5 mil euros e poderá ser visitado, desde que os interessados contactem Manuel Ferreira, residente do Saidinho, a quem foi confiada a chave do mesmo.

Sobre o projeto artístico, o autarca não podia estar mais satisfeito: “ficou precisamente como queríamos, imortalizando os moleiros, os moinhos e os campos de cereais que outrora marcavam a paisagem”.
Ao JB, também Artur Castro, do Club d’Ancas, avançou que o projeto da arte de rua se iniciou, em Ancas, em 2017 e foi estendido à Freguesia da Moita, está inserido na “Ar da Aldeia” no âmbito da valorização do património através da arte de rua.