Depois de, por causa do seu sucesso na gestão económica e financeira, Portugal já ter tido MC7 (Mário Centeno) como Ministro das Finanças, eis que na mensagem de Natal de 2025, LM7 (Luis Montenegro), um Primeiro-Ministro arrogante, hábil e impactante no mundo do mentalismo e que, imbuído do espírito de anjo Gabriel, entre a Anunciação e a epifania dos Reis Magos, aproveitou o seu tempo de antena como palestrante motivacional rústico para, numa mensagem tão artificial quanto mal lida, esclarecer os mais distraídos que os problemas do país têm a ver com o demasiado conformismo, pouco espírito vencedor e falta de atitude dos portugueses, resumindo tudo a uma questão de mentalidade cuja solução é trabalhar mais, ser mais produtivo, abandonar a mentalidade do «deixar andar», e ter a «excelência» dos melhores exemplos dos portugueses espalhados pelo mundo, adoptando a «mentalidade Ronaldo».
Aparentemente, tudo muito simples, quase inspirador, portanto, muito embora se notasse a ausência de um fado como fundo musical, e o esclarecimento se se referia à «excelência» do dono e capitão da selecção portuguesa de futebol, sempre ávido de golos e de títulos, à «excelência» do defensor de um estado repetidamente acusado de graves violações dos direitos humanos incluindo um forte aumento das condenações à morte, uma sistemática discriminação das mulheres e das pessoas LGBT, as ameaças à liberdade de imprensa e de expressão e a existência de julgamentos ilegítimos e de tortura contra os detidos, ou à «excelência» daquele que foi condenado numa pena de 23 meses de prisão e no pagamento de uma multa de 18,8 milhões de euros pela prática de quatro crimes de fuga ao pagamento de impostos de rendimentos recebidos sobre os direitos de imagem em Espanha, e que só não cumpriu essa pena de prisão porque a justiça espanhola não executa penas de prisão inferiores a 24 meses se os condenados não tiverem antecedentes judiciais, o que é o caso.
Acontece que, seja no Natal seja noutra altura qualquer, o que faz falta ao país não são metáforas musculadas nem discursos de autoajuda; o que os portugueses precisam mesmo é de empatia, justiça e seriedade, e de um Primeiro-Ministro e de um Governo que saibam o que estão a fazer, e não de alguém que confunda governar com falar bonito.
Usar o nome e a mentalidade de um futebolista num discurso de Natal como metáfora política, exige uma coisa que este Governo persiste em demonstrar que não tem: noção da vida real onde acontece mais de meia centena de partos em ambulâncias, mais de uma dezena de urgências ginecológicas / obstétricas encerradas, concursos de médicos que não abrem, rusgas para se descobrir um canivete, três a seis horas de espera no aeroporto para quem chega ou na sala de espera das urgências hospitalares, uma reforma laboral que não é querida por trabalhadores nem pelo patronato, uma especulação imobiliária que não pára de crescer, combustíveis, gás, água e electricidade com preços de bradar aos céus, aumento das propinas e do valor médio de construção por m2 com impacto no IMI (Imposto Muitíssimo Injusto) a vigorar a partir de 2026, salários e reformas com aumentos que não acompanham o custo de vida…
No seu súbito afã de pedagogia motivacional, LM7 nada disse sobre o facto de, dos 125 pedidos de indulto apresentados, nenhum ter sido submetido à decisão do Presidente da República pela Ministra da Justiça, com a invocação de que a totalidade dos indultos apresentados envolverem condenados por crimes de especial gravidade, cuja libertação colocaria complexos problemas de segurança.
Assim, muito embora o princípio da separação de poderes determine que os poderes executivo e presidencial não interferem em questões judiciais concretas, designadamente quanto a penas objectivamente aplicadas, o indulto, total ou parcial, de pena ou medida de segurança, está legalmente previsto, e todos os anos alguns pedidos têm obtido acolhimento presidencial, o que não aconteceu este ano.
É, pois, de esperar que a não concessão de indultos tenha efectiva justificação, e que não se deva ao facto de os condenados não terem «mentalidade Ronaldo»; se não for isto, o humanismo já está a perder terreno entre nós…
No fundo, o discurso de LM7 diz-nos isto: o país não avança porque os portugueses não querem suficientemente, talvez porque sintam que já vivem muito bem, pois já só têm dificuldades nos últimos 27 dias de cada mês.
Pedir «mentalidade Ronaldo» a um país inteiro enquanto se governa à base de frases feitas e apresentações motivacionais, é o equivalente político a querer disputar a final da Liga dos Campeões, com orçamento de clube de bairro tendo como treinador o anafado apanha-bolas morador no rés-do-chão esquerdo.
Quando um governante se socorre de um exemplo individual para justificar o sucesso de um país, é porque não tem a mínima noção do que é a difícil arte da governação, e a exigente gestão de um colectivo; e não há melhor oportunidade do que esta para que os portugueses exaltem a desonestidade intelectual e a irresponsabilidade moral, e digam que quem precisa da «mentalidade Ronaldo» é a classe política.
Só faltou apelar à fé e pedir que cada português se dirija a Fátima para ter direito a um «milagre»…
Tivessem os portugueses essa poderosa «mentalidade Ronaldo» focada em preparação intensa (musculação, natação e treino intervalado de alta intensidade), alimentação regrada com seis refeições diárias (priorizando proteínas, peixe, frango, vegetais), hidratação constante, sono polifásico (múltiplos e de curta duração) e banhos de gelo, mostrando a sua disciplina e resistência ao frio como parte da sua rotina de recuperação muscular e bem-estar, e certamente LM7 não deixaria de se regozijar com uma vertiginosa subida do PIB.
Enfim, um verdadeiro monte negro: siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor
