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Manuel Armando

Padre

A solidão mata ou dará vida?

Procuro entender o que significa ou como se pode vencer a solidão. Eu ouço e dialogo com pessoas que, em cada momento, se queixam de isolamento, silêncio forçado e saudades daquilo que era o burburinho antigo numa sociedade em que os seus membros conviviam uns com os outros sem quaisquer problemas e até com muita intensidade. As épocas passam, criando um vazio na sensibilidade e sentido altruísta em muitas circunstâncias peculiares da vida. Há sempre quem necessita mais de um diálogo franco, amigo, encorajador, como sustento de certos estados anímicos em momentos urgentes e difíceis, mas também se encontra gente que procura o isolamento e o silêncio para poder fazer uma pausa na sua lide diária e retemperar as suas energias corporais e psicológicas.

Um retiro, mesmo não acontecendo por motivos religiosos e espirituais, pode ter um efeito saudável de tal modo que, por isso, é procurado com frequência.

A solidão também poderá ser uma vocação. Conhecemos, pela História, a vida de grandes figuras cenobitas ou eremitas que passaram a maior parte da sua existência em grutas e cavernas das montanhas, num espírito de mortificação e oblação espiritual, “castigando”, assim, as más tentações e querendo caminhar numa linha de procura de santificação. Na tradição encontramos nomes sonantes de filhos de Deus que se esforçam, através da solidão, por encontrar-se consigo mesmos e, sobretudo, com Deus.

Compreende-se e aceita-se tal chamamento, mas vamos mais ao lado para considerarmos os numerosíssimos estados de solidão forçada que afecta qualquer ser humano que é, por natureza, gregário, mas que a família e a sociedade votaram ao abandono durante dias e dias ou mesmo anos.

Esta solidão deve temer-se.

É lastimável testemunharmos tantos idosos, até nas aldeias mais simples, esquecidos em suas casas sem quase se poderem mover, a passarem horas e horas sem que lhes seja concedido um minuto para troca de algumas palavras de conforto e estima. E cada vez mais se agudiza tal situação.

Esta solidão definha e provoca um desaparecimento progressivo prematuro de pessoas.

Podemos admitir igualmente semelhante isolamento de indivíduos que nos parecem recheados de mimos e atenções, mas que, pelo contrário, amassam os seus dias no vinagre azedo, vendido no mercado humano e, mesmo, familiar.

O desespero mais ou menos exteriorizado e concretizado no afastamento de qualquer atitude carinhosa e caridosa é condição que não deveria passar ao largo daquilo que é atribuído à família e à sociedade.

O egoísmo é, pois, uma arma tremendamente mortífera que derrota, sobretudo, quem está embrulhado com a capa da fragilidade.

Constatamos, infelizmente, que a sociedade em geral e nestes tempos, porque se refugia em comodismos desmesurados e com muita facilidade, volta os olhos para o ouro que brilha e fecha-os diante do trôpego, idoso ou não, que cambaleia, sujeito à derrocada final.

As comunidades seriam, de certeza, mais atentas ao problema da solidão se todos parássemos uns instantes e consultássemos a agenda, onde situações semelhantes poderão estar programadas para cada um de nós em particular.