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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

Deixar o mundo melhor

Não podia voltar a estas páginas sem mencionar a vida daquele que foi, para mim, o mais relevante português desde a segunda metade do século XX – Francisco Pinto Balsemão.

É indesmentível o papel fundamental de Soares para a nossa democracia, de Cavaco para o desenvolvimento, de Barroso para a afirmação portuguesa na Europa e de tantos outros em tantas outras áreas.

Mas nenhum deles esteve tanto tempo sempre presente e em actividade. Com acções de coragem, rigor, sagacidade, liderança, iniciativa, antecipação e até brilhantismo, que resultaram em melhorias efectivas nas nossas vidas. Uma participação acima de tudo cívica, reflectida na política, nos partidos, nos media, na democracia, no sector empresarial e na cultura. Penso que foi a Clara Ferreira Alves que chamou à atenção que ser primeiro-ministro foi só a terceira coisa mais importante que Balsemão fez.

Não vou repetir tudo o que já foi dito desde há duas semanas sobre o percurso de Balsemão. Deixo apenas uma nota pessoal: desde que me lembro de ser gente que o Expresso estava em cima da mesa lá de casa. Depois dos livros da escola, foi com o Expresso que aprendi a ler. Recordo o desgosto do meu pai quando soube que a minha avó tinha queimado TODAS as Revistas do Expresso que ele guardava desde a primeira edição (para ela, estavam só a ocupar espaço). Lembro-me também de o ouvir contar que durante o PREC fazia questão de ler o Expresso, em tamanho broadsheet, no cacilheiro, entre empurrões, puxões e demais incómodos que os passageiros comunistas e esquerdistas lhe acometiam – sim, na altura trabalhava-se ao Sábado e vivia em Almada, mesmo em frente à Lisnave – e de como após o 25 de Novembro se passou a ler o Expresso no cacilheiro com muito mais tranquilidade.

Foi (e é) também com o rigor da informação e a pluralidade do Expresso que formei as minhas convicções políticas. É normalmente no site do Expresso que vou verificar se uma determinada mensagem que me deixa dúvidas é verdadeira ou fake.

E é hoje com o Expresso – agora no iPad – que tento demonstrar às minhas filhas a importância que os jornais livres, rigorosos e credíveis têm para a qualidade da democracia. Que tento que elas tenham gosto em saber mais sobre o que as rodeia. Com notícias fiáveis. Opiniões livres e diversas, mesmo (ou principalmente) se delas discordarmos. Saber de cultura, de história, de música, de teatro, de gastronomia, de moda.

Francisco Pinto Balsemão deixou-me todo este legado, apenas com uma das suas obras. Fora o resto… Pode-se dizer que cumpriu o seu lema “Deixar o mundo melhor”.

Da sua biografia, cito de memória qualquer coisa como “os medíocres falam sobre pessoas, os sofríveis sobre factos e as pessoas boas debatem ideias”.

Esta frase, interpretada nestes dias como um auto-elogio, para mim sinaliza um aviso. Ou melhor, a constatação dum desvio dos partidos tradicionais – nomeadamente do seu. A constatação de que os partidos tradicionais deixaram de debater, aperfeiçoar e promover as suas ideias, em detrimento de se afirmarem por aquilo que as pessoas querem ouvir. Deixaram de dizer o que pensam para seguir a agenda de quem mais grita. Concretamente, o caso do PSD ter passado a seguir a agenda de outros em vez de liderar a agenda. Aliás, como Costa já tinha feito com a geringonça.

Os fenómenos populistas são consequência da disfunção dos partidos tradicionais, quando estes deixam de responder aos problemas reais das pessoas. Não são a causa. São oportunistas que ocupam o espaço político vazio. Foi assim com o BE. É assim com o Chega.

Balsemão avisou. Em tempo.