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Dilan Granjo

Mestre em Ciência Política e especialista em comunicação e Marketing Digital

Do Iraque ao Irão, o império do terror

A lógica imperial americana, o colapso europeu e o rastilho do caos global.

O ataque recente ao Irão não deve ser encarado como um episódio isolado, mas como parte de uma estratégia mais ampla que os Estados Unidos vêm executando desde o fim da Guerra Fria. Esta estratégia assenta na contenção de qualquer alternativa económica, energética ou militar à sua hegemonia, muitas vezes legitimada por discursos sobre o terrorismo nuclear e a segurança global.

O caso do Iraque, em 2003, continua a ser um exemplo claro dessa lógica. O discurso sobre armas de destruição maciça serviu de cortina para uma operação cujo verdadeiro objetivo era garantir o controlo dos fluxos energéticos globais e proteger a supremacia do dólar. Saddam Hussein ameaçava vender petróleo em euros, e isso bastou para o tornar num inimigo a abater. A sua queda sinalizou ao mundo que qualquer desvio da ordem estabelecida teria um preço.

O Irão, hoje, ocupa esse lugar. O Estreito de Ormuz, por onde circula cerca de um terço do petróleo transportado por mar, representa um ponto nevrálgico da economia mundial. Qualquer bloqueio ou confronto na região teria efeitos imediatos na estabilidade energética, sobretudo na Europa, que já se encontra fragilizada nas suas rotas comerciais.

A crise energética europeia, contudo, não começou com o Irão. A sabotagem do gasoduto Nord Stream, responsável por abastecer diretamente a Alemanha, marcou uma viragem drástica. Ao eliminar fisicamente uma via de fornecimento alternativa, os interesses euro-atlânticos empurraram a Europa para uma dependência quase total do gás natural liquefeito norte-americano, mais caro e ambientalmente discutível. A ausência de uma investigação séria e a normalização do silêncio não revelam apenas impotência, mas cumplicidade ativa com a lógica de subjugação que diziam combater.

Esta lógica prolonga-se no Médio Oriente, com o envolvimento direto de Israel a intensificar a escalada militar. O governo de Benjamin Netanyahu tem promovido ataques a instalações iranianas com a justificação de uma defesa preventiva, numa estratégia que coincide com os interesses norte-americanos. Ao mesmo tempo, esses ataques funcionam como ferramenta interna para desviar atenções da campanha em Gaza e reforçar o apoio político a Netanyahu, enquanto aumenta a pressão sobre Washington para intervir de forma ainda mais agressiva na região.

Num momento de tensão crescente, a União Europeia revela uma crise de liderança profunda. Emmanuel Macron tenta posicionar-se como figura de referência, mas encontra-se isolado dentro e fora do seu país. Giorgia Meloni, que prometia autonomia nacional, rapidamente se aproximou de Trump e fragilizou o eixo europeu. António Costa, agora em Bruxelas, representa uma geração tecnocrática incapaz de oferecer uma visão estratégica. A Europa não lidera, não reage, não decide.

Neste cenário de ausência ocidental, a China aparece como a única potência a tentar construir um caminho alternativo. Reforça alianças energéticas com a Rússia e com o Irão, promove transações em moedas que desafiam o domínio do dólar e desenvolve rotas comerciais que escapam ao controlo ocidental. Simultaneamente, ao deter uma parte significativa da dívida norte-americana, torna-se fiadora e refém do sistema que procura contornar. Essa ambiguidade é um sinal da sofisticação da sua política externa, em contraste com o simplismo beligerante do Ocidente.

O cerco ao Irão vai muito além da questão nuclear. A pressão sobre a sua frota comercial e as tentativas de bloquear todas as vias de exportação mostram que o objetivo real é impedir o país de ter qualquer papel autónomo na economia global. A probabilidade de uma escalada induzida, seja por erro, provocação ou encenação, já não é remota.

A guerra mundial deixou de ser uma hipótese remota. A Europa, ao abdicar da sua autonomia e alinhar com a lógica militar americana, deixou de conter o conflito e passou a alimentá-lo.

Não reagir também é tomar partido.