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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

Que desígnio?

Escrevo no dia 25 de Abril e até agora não vi nenhum dos debates eleitorais – e conto não ver sequer o último.
Já os conheço a todos desde o ano passado. E como todos preferem ignorar o elefante no meio da sala – a evolução da economia mundial – eu prefiro dar melhor destino ao meu tempo.

Quem ler os programas eleitorais, não encontra vertida nas propostas qualquer preocupação com a desenrolar da agressão militar de Putin, nem com a agressão tarifária de Trump.

O que encontramos são proclamações e medidas avulsas de baixa de impostos, subida de salários, melhorias para todos na saúde, nas escolas, nas pensões, na habitação. Cheques, abonos e subsídios.

Tudo isto com redução da dívida e sem déficit.
Para que no dia 19 de Maio… “afinal, dada a conjuntura internacional…”.
Isto é válido para PS e PSD, como é válido para os restantes partidos – nomeadamente para o Chega, que caso tivesse hipótese de implementar o seu programa, nos levaria à bancarrota em mês e meio.
Gostava de ouvir os principais partidos dizerem “não podemos dar tudo o que queríamos porque ninguém sabe o que vai acontecer no mundo e na Europa”. Estou convencido de que a esmagadora maioria da população entenderia esta mensagem. Que seria até eleitoralmente mais forte e eficaz, do que aquilo a que temos assistido.

Já aqui referi que todos os primeiros-ministros, de Mário Soares a Passos Coelho (excepto Santana Lopes), tiveram um desígnio para o país, um projecto de fundo. Essa característica da nossa democracia teve um fim abrupto com António Costa e a geringonça. Lamentavelmente, não conheço qualquer visão de futuro para o país nos líderes partidários actuais.

Proclamar intenções, exprimir desejos e anunciar medidas instrumentais (como baixas de impostos) – aquilo que vemos nos programas eleitorais – não são desígnios.

Depois de algumas reformas aquando da intervenção da troika, assistimos ao definhamento silencioso da estrutura do Estado nos últimos 10 anos. Sob a capa do “fim da austeridade”, o desinvestimento no Estado tornou a administração pública uma máquina ainda mais ineficaz, mais permeável a ser corrompida, com pessoas a mais onde não são precisas e pessoas a menos onde fazem falta. Os valiosos recursos humanos técnicos do Estado foram sendo substituídos – há já mais tempo – por consultorias externas, mesmo quando internamente há melhores soluções. Os procedimentos e a burocracia aumentaram. Foi-se criando uma cultura de aversão ao risco: a melhor forma de um funcionário público progredir na carreira é não fazer nada – ouçam o episódio do podcast do David Dinis “Porque falha o Estado?” com o Castro Almeida e o Siza Vieira.

No contexto nacional e internacional em que estamos, este seria um grande desígnio nacional para uma legislatura: melhorar a estrutura do Estado. Torná-la mais eficiente. Realocar os recursos humanos. Reforçar a qualidade dos quadros médios e superiores. Desenvolver uma cultura de risco. Reconstruir as capacidades técnicas. Premiar o dinamismo. Reduzir a burocracia e eliminar procedimentos inúteis, acelerando as respostas às necessidades de cidadãos e empresas.

Após os anos da troika, defendi que o grande desígnio do país devia ser o desenvolvimento económico através da liberalização da economia, criação dum ambiente de negócios, promover a concentração, ganhar escala europeia, internacionalizar mais do que de exportar.
Infelizmente julgo que desperdiçámos essa oportunidade. Porque os tempos mudaram. E porque as nossas capacidades enquanto país também.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor