O traçado do TGV constitui a maior ameaça de sempre à região vitivinícola da Bairrada. Não é que a região, de forma isolada, tenha tido grandes ameaças ao longo do tempo.
É um facto que a região tem outras ameaças, globais, à sua frente: o consumo de vinho tem vindo a diminuir no mundo… mas é uma tendência, uma moda, que passará; as alterações climáticas… que na verdade, dizem os especialistas, na pior versão a Bairrada é menos afectada que outras zonas – e há quem diga que até beneficia; as tarifas de Trump… ainda assim as taxas aduaneiras brasileiras são mais altas e os 15% de aumento para os EUA, dado o preço tão baixo do nosso vinho em comparação com concorrentes americanos, italianos, espanhóis e franceses, até pode ser visto como uma oportunidade.
Mas este traçado do TGV diz-nos respeito a nós directamente. Causa um dano directo, efectivo e permanente no mais importante sector económico da nossa região.
Vi os dois debates entre os candidatos à Câmara Municipal de Anadia (CMA) – é evidente que a Bairrada não se limita a este concelho, que este é um problema que lesa outros concelhos e que as respostas devem ser não só intra-municipais como envolver outras instituições, mas é Anadia a capital da Bairrada – onde se abordou ligeiramente o problema do traçado do TGV, mas não de que forma deve a região e o concelho ser compensado pelo dano profundo na mancha vitícola bairradina.
Tem razão o candidato independente Jorge Sampaio: é “naive” achar que a CMA tinha alguma hipótese de negociar um traçado do TGV que evitasse a região, para mais quando as “alternativas” obrigavam à destruição de um número assinalável de casas de habitação. Era uma guerra perdida à partida.
Mas há uma guerra que vale a pena travar e que não vejo ter a atenção devida, pois vai condicionar o futuro da região (note-se que procurei o “Plano Estratégico Anadia 2035” e não o encontrei, pelo que é possível lá haver algum pensamento sobre o assunto): como é que a Região da Bairrada deve ser compensada. O que é que a região (e a CMA como capital da Bairrada, em conjunto com outras câmaras e organismos locais) vai negociar e exigir como compensação dos danos estruturais e irreversíveis à Bairrada?
A resposta, do meu ponto de vista, já a escrevi no meu primeiro artigo para este jornal: Conhecimento!
É uma alteração estrutural do mosaico dos vinhedos da Bairrada. É uma alteração estrutural da paisagem da Bairrada (com efeitos também no turismo). É uma alteração estrutural da capacidade produtiva da região da Bairrada.
As compensações têm de ser de igual forma estruturais, com efeitos no desenvolvimento do negócio e qualidade do vinho no longo prazo – como, na verdade, é todo o negócio do vinho.
Como é o solo da Bairrada? E o subsolo? Metro quadrado a metro quadrado. A orologia, a exposição solar? Quais os melhores locais para plantar vinha com potencial para produzir vinhos de grande qualidade? Como plantar? E que castas? Que clones? Criação de estações climatológicas permanentes.
Criar conhecimento e partilhá-lo com os operadores, os produtores, os “viticólogos” e enólogos. E com os enófilos, já agora.
Para que um dia, quem sabe, se a racionalidade imperar sobre os pequenos interesses, podermos vir a categorizar vinhedos, parcelas e locais.
Envolver a Universidade de Aveiro, a Universidade de Coimbra, a UTAD, o ISA. Todos. É também o Estado Português que é lesado num dos seus extraordinários activos produtivos – potenciais, as vinhas da Bairrada.
Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor