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Despedimento e antiguidade: um posto ou agravante disciplinar?

Rui Borges
Advogado
Cofundador da CBA Legal Advisors
cba-legal.pt  

A antiguidade é um “escudo” e um trabalhador com décadas de casa, sem mácula no registo disciplinar, detém uma proteção reforçada perante o despedimento.

É uma convicção relativamente enraizada no âmbito das relações de trabalho: a antiguidade é um “escudo” e um trabalhador com décadas de casa, sem mácula no registo disciplinar, detém uma proteção reforçada perante o despedimento. Mas será que a longevidade contratual serve, efetivamente, de salvo-conduto para a violação de todo e qualquer dever, em especial de deveres estruturantes?

Obviamente que não. E, a este propósito, veio Tribunal da Relação de Lisboa, num seu recente Acórdão, reforçar a posição das empresas na defesa da sua organização interna.

O caso versava sobre um trabalhador da área de Recursos Humanos, com cerca de 40 anos de antiguidade e um passado profissional imaculado. Aproveitando-se das suas funções, acedeu à base de dados da empresa para copiar informações pessoais de ex-trabalhadores, bem como de outros tantos documentos internos. O objetivo? Entregar os dados a um grupo externo que preparava uma ação judicial contra a própria empregadora, por causa de alterações a um plano de saúde.

Ora, em primeira instância, o tribunal considerou o despedimento desproporcional, valorizando o histórico do trabalhador e a ausência de prejuízos financeiros imediatos. Contudo, já na Relação de Lisboa, esta decisão acabou por ser revertida.

A pedra de toque é que a “quebra de confiança” não se mede aos quilos nem aos euros. O Tribunal foi perentório: a justa causa não depende da verificação de danos efetivos ou materiais. Basta a criação de um risco ou de uma situação apta a gerar prejuízos.
Naquele caso, a simples exposição da empresa a coimas milionárias pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) foi considerada suficiente para fundamentar a gravidade da infração.

A atalho de foice, diga-se que o argumento da antiguidade, tantas vezes usado para defesa de trabalhadores no âmbito de procedimentos disciplinares, sofreu aqui uma reviravolta interessante. É que aquele Tribunal entendeu que, neste caso, a antiguidade não atenua a culpa; pelo contrário, agrava-a: a confiança, cimentada ao longo de quatro décadas, reclamava uma lealdade superior. Ao trair essa confiança, o trabalhador quebrou o elo essencial que permite a subsistência do vínculo, tornando a rutura irreversível.

De resto, não deixa de ser importante reter a lição preventiva que este caso encerra. A condenação do trabalhador (também) foi possível porque a empresa tinha o “trabalho de casa” feito: existiam uma Política de Privacidade clara e um Código de Conduta conhecido pelo trabalhador, onde o dever de sigilo estava taxativamente previsto. Sublinha-se, assim, que as normas internas não são letra morta, mas sim ferramentas ativas de gestão.
Enfim, e como se viu, também no âmbito laboral se pode dizer que a antiguidade, como a idade, não é apenas um número, mas sim um posto… com todos os direitos e deveres (acrescidos) que tal acarreta.

Ressalva Legal: Ressalva legal: O presente artigo é meramente informativo e o seu conteúdo não pode ser considerado como prestação de serviços ou aconselhamento jurídicos, de qualquer natureza. Ele é por natureza genérico, abstrato e não é diretamente aplicável a qualquer caso concreto, pelo que não dispensa a consulta de um profissional devidamente habilitado, não devendo o Leitor atuar ou deixar de atuar por referência ao seu teor.