Comentando as últimas eleições legislativas, houve quem dissesse que o bipartidarismo já acabou em Portugal. Referia-se ao facto de um terceiro partido ter conseguido ombrear com os dois grandes partidos tradicionais (PS e PSD) e até alcançar o segundo lugar em número de deputados eleitos. Agora, nestas eleições autárquicas, verificou-se que afinal o bipartidarismo ainda existe, porque os dois partidos tradicionais apresentaram uma implantação no país muito superior a qualquer dos outros partidos. Aliás, se pensarmos que o PCP já presidiu a 55 câmaras municipais e o CDS a 37, podemos pensar que o bipartidarismo está mais forte. Então em que ficamos?
Quando falamos de bipartidarismo, não quer dizer que só haja dois partidos, mas que só dois partidos são capazes de formar governos, sozinhos ou liderando coligações com outros partidos menores. Assim tem acontecido, de facto, regularmente em Portugal, no atual regime democrático, em que um deles vai alternando com o outro na liderança do governo. Assim tem acontecido também em outros países, por exemplo, na vizinha Espanha, com a alternância entre o Partido Popular e o Partido Socialista (PSOE), ou no Reino Unido, com a alternância entre o Partido Conservador e o Partido Trabalhista.
Este tipo de alternância corresponde a um movimento pendular, ou a um dualismo próprio da luta política, que permite ao sistema político respirar e funcionar de maneira equilibrada, evitando que o poder seja sempre ocupado pelo mesmo partido; assim se evita, por um lado, a frustração de não haver uma alternativa e, por outro, reduz-se a tentação da corrupção de quem está tempo demais instalado no poder. Nestas condições, os partidos alternantes normalmente são moderados, posicionam-se um no centro-direita e o outro no centro-esquerda. Ou seja, são partidos que respeitam as regras básicas do sistema democrático, embora divergindo nas questões de governo.
Em Portugal, na Monarquia Constitucional, que foi o primeiro regime em que houve eleições regulares, a alternância bipartidária era conhecida como «rotativismo»; que é um termo ainda hoje usado para referir a atual alternância entre o PS e o PSD. Em Espanha, entre 1875 e cerca de 1917, funcionou um regime alternante idêntico, chamado «turno». Para quem quiser consultar (de fácil acesso pela internet), informo que a revista espanhola Aportes, de história contemporânea, publicou, no seu último número, um artigo meu dedicado a comparar o rotativismo português e o turno espanhol.
Como podemos então avaliar o fenómeno recente em Portugal de um terceiro partido que alcançou o segundo lugar na representação parlamentar, embora não tenha confirmado essa importância na implantação autárquica? Há que dar tempo ao tempo, para perceber se se trata de uma moda passageira ou se é uma tendência de fundo, mais estrutural e permanente. Por exemplo, já aconteceu em Portugal, em 1985, que o PRD (identificado com o general Eanes), alcançou o terceiro lugar muito perto do segundo, mas depois, em pouco tempo, desapareceu. Lembro-me de que em Espanha, há cerca de 15 anos, um partido da esquerda radical, Podemos, quase roubou o segundo lugar ao PSOE, mas depois, em pouco tempo, perdeu quase toda a sua importância.
Voltando ao caso deste novo partido populista em Portugal: se é verdade que nestas eleições autárquicas não confirmou os bons resultados das legislativas, nem por isso deve ser desvalorizado, pois mesmo nestas eleições avançou bastante na sua implantação no país. Além disso, este avanço inscreve-se numa tendência mais geral, visível em muitas grandes democracias, de um avanço da extrema-direita populista em detrimento da esquerda, baseado em idênticas razões, relacionadas, por exemplo, com o uso das «redes sociais», onde se espalha tanta contra-informação, ou com a entrada crescente de imigrantes, que tem causado bastante alarme social.
Todavia, há que dar tempo para que a sociedade, passado o efeito da novidade, conheça melhor as ideias e a qualidade dos membros deste partido. Por exemplo, se ele acusa os outros partidos de serem corruptos, pode afinal verificar-se que ele mesmo está impregnado de corrupção em numerosos dos seus membros. Além disso, se ele explora o descontentamento existente em várias camadas da população, pois agora os seus membros eleitos têm oportunidade de dar provas das suas capacidades.
Este partido beneficia do direito e da liberdade que o regime democrático assegura em igualdade aos outros partidos. Mas este é também o partido que assume abertamente ser contra o próprio regime democrático. Ora isso é tanto mais preocupante quanto mais força ele tiver. E deve levar todos os democratas a exercer influência e a esclarecer as camadas mais jovens e as menos informadas sobre os perigos que um partido como este traz consigo.