No interior do país, o fogo não cai do céu: nasce do vazio. É o vazio de gente que partiu, de caminhos por limpar, de matos que se adensam porque já ninguém os atravessa. Chamamos-lhe “época de incêndios” como se fosse uma estação do ano, quando na verdade é o resultado de décadas de despovoamento e mau ordenamento. A floresta tornou-se contínua, monótona, inflamável; a agricultura encolheu, a pastorícia rareou, os mosaicos de uso do solo deram lugar a um tapete que arde todo de uma vez.
Nos dias de aflição, contamos os meios aéreos como quem conta promessas. Mas os helicópteros são apenas a última linha de um fracasso anterior: o da paisagem não gerida. O país começou – tarde, mas começou – a falar de transformação da paisagem, de devolver às comunidades o poder de cuidar do território. É por aí. Porque prevenção é governança, e governança é quotidiana: contratos de gestão, consórcios locais, mosaicos agroflorestais, pastorícia ativa, fogo controlado, fiscalização que chega, incentivos que permanecem.
E onde entra o turismo nisto? Entra se for turismo responsável, não o que extrai a fotografia e vai embora, mas o que investe na capacidade do lugar. Um alojamento que mantenha linhas de água limpas, que contrate equipas locais para a gestão do combustível, que apoie os pastores para manter clareiras, que encerre trilhos em dias de risco extremo e explique porquê, que diversifique a época alta para lá do verão, aliviando a pressão e garantindo rendimento quando a terra mais precisa.
O turismo pode ser economia de prevenção. Não substitui o Estado, mas alinha interesses: quem acolhe visitantes tem todo o motivo para reduzir o risco, valorizar o que ardeu e regenerar o que ficou. E há evidência: quando a área ardida cresce, os visitantes diminuem – logo, cada euro investido em prevenção é também um seguro sobre o futuro de quem vive do acolhimento.
O caminho não é romântico; tem cheiro a trabalho: cadernos de encargos que exigem planos de gestão de combustível; certificações que contêm o que importa (não apenas toalhas lavadas a frio, mas hectares geridos); parcerias entre operadores turísticos, baldios e municípios; compras públicas que valorizem quem cofinancia a resiliência. Regenerar é isto: pôr as mãos – e os orçamentos – na terra. As empresas de animação turística têm um papel relevante nesta ação concertada. As férias na natureza não podem ser apenas sinónimo de diversão desligada da realidade, nem um parêntesis em que se esquece o que está em causa. Um turismo consciente e com propósito não se esquece só porque são férias – assume responsabilidades, educa e devolve ao território mais do que retira.
No interior, as empresas de animação podem ser pontes entre visitantes e comunidades locais: planear percursos de forma responsável em função do risco de incêndio, apoiar a limpeza de trilhos e linhas de água, contratar serviços de pastoreio que ajudam a gerir o combustível, integrar experiências de regeneração ecológica nas suas atividades e sensibilizar cada visitante para o valor de uma paisagem cuidada. Ao fazê-lo, tornam-se agentes de prevenção, de regeneração e de futuro, garantindo que o turismo é parte da solução e não apenas mais uma forma de exploração.