É vulgar ouvir-se o comentário, muito corriqueiro já, sobre qualquer altercação entre pessoas que entraram em litígio ao qual os outros não querem dar nenhuma achega, limitando-se apenas, despudoradamente e com uma indiferença desumana, à expressão banal: – «Eles lá se entendem».
Por mim e neste momento, penso convictamente de modo ainda mais negativo e avento até a hipótese da dúvida se, em alguma parte, as pessoas ou os grupos se entendem.
A compreensão e diálogo entre humanos inteligentes exigem renúncia ao egocentrismo deslavado e a consciencialização humilde de que ninguém de nós tem dentro de si a verdade e o poder absolutos.
Os desaguisados abundam em todas as latitudes da vida dos homens e nem é preciso imaginarmos alguns gestos físicos drásticos para atingirmos conclusões deveras negativas.
É suposto que, sendo nós completamente distintos, devemos procurar “encontrar-nos” nos pontos comuns essenciais para elaborarmos a vida, aproveitando quanto os outros possam fazer em ordem ao bem da sociedade plural. Não somos insubstituíveis, mas o que temos e sabemos, havendo entendimento e aceitação, pode ajudar a construir a comunidade mais serena, sensata e justa.
O mal existe quando começa a imperar falta de bom senso e os indivíduos ou os grupos lutam pela exclusividade pessoal da importância no poder e no saber.
Neste âmbito existencial dos nossos dias, em determinados níveis sociais, sociológicos ou políticos, alastra o fogo aceso de só um querer mandar sobre todos quantos andam na roda.
A falsa ou interesseira hegemonia é a presença sempre renovada do pecado a abrir a soberba que olha de soslaio sobre o semelhante, como se ele não fosse também dotado de valores ou que nada soubesse.
Contactamos, hoje, uma sociedade de acusadores e acusados quando deveria ser de colaboradores solidariamente empenhados num futuro promissor.
Atrevo-me a dizer que os partidos políticos dão a impressão de serem paradigmas indubitáveis da discrepância intelectual e moral. Os seus membros tentam alcandorar-se nos lugares cimeiros. E são tantos de quem dizem cobras e lagartos acerca dos seus empreendimentos e afirmações públicas nas mais diversificadas ocasiões. Até quem os quer eleger navega nas dúvidas e medos das inseguranças iminentes. Tanto se acusam como se defendem mutuamente diante de circunstâncias concretas e de tal forma que, de fora, continuamos indecisos sobre que atitude tomar perante factos que parecem tão evidentes nas contradições.
Comprovadas as verdades, entram na desculpa de fraternidade vazia e tudo continuará pior.
A torre de Babel volta a contorcer-se com as dores das confusões e divergências.
Grandes valores da moral e do espírito deixam de ser carteira para muitos e assim irão desaparecer no meio do desentendimento deste mundo sacrílego que definhará afastado da alegria de viver com plena confiança os afazeres de todos os dias.
Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico,
por vontade expressa do autor