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João Sousa

Agricultor / Troviscal

Uma luta para continuar

Como pequeno agricultor que sou, até a saúde me deixar, nesta arte de bem produzir para que outro possa consumir, não posso deixar de assinalar os 47 anos de uma organização ligada a este setor primário, a que tanto o país deve, mas a que os governos não têm sido gratos, na defesa da agricultura familiar.

A esta organização, CNA (Confederação Nacional da Agricultura), devo – eu e muitos como eu – a possibilidade de escoar os produtos locais diretamente ao consumidor, em feiras e mercados, valorizando assim a produção local do campo ao prato, não precisando de qualquer subsídio para os produzir.

As suas associadas têm tido um papel determinante na defesa desta classe laboriosa que, mesmo em minifúndio, avaliam a necessidade de alimentar nichos de consumidores virados para a ecologia, de gosto requintado ou de preservação do tradicional, contrário às alterações climáticas, uma vez que esse alimento percorre circuitos curtos.

Isto, ao contrário das grandes produções, intensivas e super intensivas, que consomem um bem cada vez mais escasso, a água, degradando os solos numa agricultura tipo industrial, conhecida pelo agronegócio alimentar. Esses alimentos chegam ao consumidor com milhares de quilómetros de energia gasta à base de combustíveis fósseis o que, como bem sabemos, aquece o planeta com o chamado efeito de estufa.

A luta de agricultores, mulheres e homens como eu, de norte a sul, mostrando o valor da sua existência, é uma conquista do 25 de Abril de 74. Apesar dos ataques de que sido alvo, persiste, e como disse António Guterres nos 50 anos de Abril, com as movimentações de rua pelo povo, estas lutas irão continuar e é bom que assim seja, se não, como Roberto Carlos, (fino) cantor brasileiro expressou (cito), “Seus netos vão te perguntar em poucos anos, Pelas baleias que cruzavam oceanos, Que eles viram em velhos livros, Ou nos filmes dos arquivos, Dos programas vespertinos de televisão”.

Este modelo económico capitalista, concentrado em meia dúzia de famílias pensando no lucro, terá o seu fim. A própria natureza o fará a médio/longo prazo, deixando um rasto de miséria que as gerações que nos procedem irão suportar. Ainda que hoje estejam entretidos com as chamadas redes sociais, acabará um dia por chegar a sua vez de ir à luta, como outros o fizeram ao longo dos tempos, porque atrás de tempos vêm tempos e outros tempos hão de vir.

Não queremos um país para inglês ver, turístico e florestal. Vejamos o exemplo do apagão do passado mês de abril, de apenas oito horas, mas que nos permitiu observar, em particular nas grandes urbes, as populações em pânico, a correr para as grandes superfícies, dependente que o país está do exterior no que respeita aos bens alimentares – imaginem o que, por qualquer eventualidade ou boicote, pode acontecer!

A nossa frágil economia, gerida também por mentirosos, continuará a sua agonia com importadores gananciosos. A luta é para continuar e pedimos que nos deixem trabalhar, presos que estamos a leis comunitárias da dita UE.

Não esqueçamos que também o poder local eleito tem, nesta matéria, que ser sensível e interceder junto do poder central.