Quero, pública e humildemente, confessar a minha ignorância quanto à esquematização do tempo.
Acredito que Deus não usa relógios, nem calendários ou agendas. Para Ele apenas existe o presente, o agora, o hoje. Os homens é que contam o tempo que foi, é ou há-de vir. Chamamos a isso o passado, o presente, o futuro.
Eu já tive um passado, vivo, habitualmente e com gosto, cada momento presente. Todavia, e aqui reside a minha inquietação de ignorante, não sei definir o futuro.
Há alguns dias, olhei para um grande cartaz, ao gosto político com letras grossas e gordas, onde li a novidade: «O futuro é já».
Reli o mesmo em diversas ocasiões e então, agora, pergunto se o tal futuro anunciado não se tornou já passado. Ou não aconteceu nunca o dito futuro, continuando a sociedade no ramerrão sem nada se fazer nem a deixar-se fazer.
Bem reconheço que todas as historietas que experimentamos causam muitas respostas dúbias e alguns embaraços porque a sociedade espera, debalde, esse advir de felicidade e paz, mas que, aliás, acaba por nunca chegar.
Percebo e aceito tal prenúncio do que poderá acontecer, contudo, reparo que quem anuncia que o futuro é já aparece, de imediato, como o primeiro a dar conta de serem goradas todas as suas conjecturas e promessas, cujo cumprimento está muito para além da sua vontade e inteligência.
O desvirtuamento é latente e reconhecido e a desfaçatez não consegue ultrapassar a fragilidade da mente humana.
É que o tal futuro prometido para já subentende capacidade de trabalho, convicção, entrega desinteressada e honestidade no respectivo anúncio. Exige bases sérias e experimentadas, como também alicerçadas na humildade da verificação das incapacidades morais ou anímicas, porque por nada se pode esperar que as coisas aconteçam só pelo facto de serem anunciadas. É preciso adquirir meios concretos para se chegar a um fim almejado e eles são o saber dar-se ao serviço da comunidade, a honestidade, a tranquilidade, o desapego.
E aqui pode ser lembrado o adágio da religiosidade popular quando diz que, nos votos e compromissos, “os santos esperam, mas não perdoam.”
Ora, neste caso que vou aduzindo, como que simbolicamente, “santos” são as pessoas do povo em dificuldades imensas de vida nos seus mais diversos sectores a quem se prometem soluções de todos os tipos, mas se vêem logrados porque os propósitos proclamados e prometidos como sendo da maior verdade e confiança, são apenas valores obliterados ou ilusões elaboradas pela ânsia de poder e hegemonia de nome.
Não me admirarei, pois, se encontrar um outro cartaz a substituir o anterior ou ouvir a voz dos pregoeiros fretados que em coisa nenhuma se comprometem, proferindo sarcasticamente esta bombástica comunicação: «Camaradas, o futuro foi ontem e o ontem é passado, por isso, não pode voltar-se atrás».
P.S. – Para nós todos, nada feito!