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Manuel Armando

Padre

E o cão “rezou”

Não sou zoólogo, nem criador de quaisquer animais. Porém, respeito e admiro-os, louvando o Autor da Criação pelo que observo em certos momentos da vida.

Prestando alguma atenção, descobriremos que somos bafejados com situações fantásticas, proporcionadas por pessoas, desde as crianças até às mais idosas, como ainda pelos animais, sejam eles quais forem. A Natureza em si está carregada de pormenores os quais, por vezes, deixamos que nos ultrapassem sem nos importarmos deles, o mínimo. Muito mais tarde, acontece voltarmos atrás, meditarmos um pouco melhor e tirarmos daí as ilações adequadas precisas.

Quantos benefícios perdemos pelas nossas negligências e desatenção! Continuamos anões porque nos esquecemos de crescer se omitimos o exercício das capacidades intelectuais ou desprezamos lições exemplares até provindas dos animais.

Dizemos que eles agem, não pela inteligência, mas instinto. Ora, se nos fosse dado entrar e sair livremente no cérebro de qualquer um deles, iríamos avaliar, com conhecimento mais claro, quão diferente seria a nossa verdade.

Há manifestações ou acontecimentos sociais, culturais, desportivos ou religiosos que subentendem a presença viva e cooperante de todos quantos se deslocam aos determinados locais de acção. Certamente cada pessoa que acorre à circunstância fará supor que há nela uma intenção particular, por dever de amizade, familiaridade ou de crença que levam à tal presença tanto exigida como voluntária. E aí tomará a atitude séria e coerente que o seu porte inteligente faz crer ela possuir.

Todavia, em variadíssimas ocasiões, parece haver mera rotina social para dar nas vistas e não o empenhamento simples e responsável.

Dizem-nos, com frequência, que o mundo de hoje está assim postado num egoísmo atroz ou numa indiferença apática e grosseira. Seja como for, lastimamos tal situação e cada um de nós terá o dever de exercitar maneiras diversas de inserir-se na sociedade, demonstrando maior ligação e cuidado.

Na verdade, e retomando o início destas linhas, nesse sentido como em muitos outros, os animais trazem-nos à tona lições formidáveis, com os seus nobres “sentimentos íntimos”.
É frequente experimentarmos coisas naturais fabulosas que acontecem. E eu já vi muito e disso dei testemunho, em tempo devido.

Hoje, trago à reflexão um episódio simples, mas sintomático, do qual alguém me falou, embora eu conheça pessoalmente outros semelhantes.

Um senhor tinha um cão, sua companhia e como que o confidente de todos os dias. Entre ambos haveria uma cumplicidade ou osmose de afeição e trato diários. O tal dono faleceu. Desde aquela primeira hora, o amigo fiel não mais se afastou de junto do corpo inerte do seu senhor. Na Capela do velório, permaneceu aninhado entre a assembleia orante e o ataúde, sem uma rosnadela que viesse a incomodar alguém, mas compenetrado na dor do seu coração canino. No Cemitério, lá esteve ele, permanecendo aí até não poder ver mais nada do seu companheiro de tantas horas.

Assim na sua atitude presente e “conscientemente responsável”, o cão “rezou”.
Deste facto verídico, sucintamente narrado, fica-nos a interrogação sobre a presença forçada socialmente de alguma classe de gente que, até em funerais, se alheia de tudo e não toma parte em gesto nenhum, porque apenas está a ver a “banda passar” ou para ser visto e mesurado.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo
ortográfico, por vontade expressa do autor