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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

Reconhecimento da Palestina

Temos assistido a um discurso que nos quer convencer que o reconhecimento da Palestina vai fazer terminar a barbárie que Israel está a exercer sobre os palestinianos. Nada mais errado, como bem sabe a esquerda promotora deste discurso.

Evidentemente, para a solução dos dois Estados, é preciso que ambos sejam reconhecidos. No entanto, infelizmente estamos bem longe de voltar a pensar nisso.

Pergunte-se o leitor, a quem estaríamos a reconhecer o Estado da Palestina? A que entidade? Ao Hamas? Ou ao líder Autoridade Palestiniana, que foi corrida de Gaza, pelo Hamas e onde não tem qualquer poder, presença ou influência?

O que é hoje o Estado da Palestina? Entre Gaza dominada pelo Hamas, a Cisjordânia pela Autoridade Palestiniana e o sul do Líbano, pelos Xiitas do Hezbollah, mandatados pelo Irão?

Do lado de Israel, apesar de ter um governo democraticamente eleito, a situação não é muito mais bonita. Primeiro porque não fossem os ataques de 7 de Outubro, Netanyahu provavelmente já teria sido deposto pelos protestos populares em Telavive e preso por determinação de um tribunal por corrupção.

E em segundo, porque o seu governo é suportado por um partido de extrema direita que faria corar os mais radicais partidos de extrema direita europeia.

Não é possível fazer Israel parar sem um primeiro passo, muito simples e fácil de entender para qualquer pessoa decente: libertem todos os reféns. Podem andar com propostas, negociações, cessares-fogo. Enquanto o Hamas não libertar todos os reféns que tem em cativeiro há 656 dias, Israel tem sempre uma justificação para não parar.

Outro passo essencial é a desmilitarização e desarmamento do Hamas. Enquanto persistirem rockets e kalashnikovs prontas a atacar pelo sul, Israel apresenta uma justificação plausível para não baixar a guarda. Justificação reforçada quando o objectivo do Hamas não é outro senão a extinção do Estado de Israel. Se um dia pudermos voltar a pensar numa solução de paz duradoura para a região, convém que cada uma das partes reconheça o direito da outra existir.

Abro aqui um aparte sobre o Irão. O ataque às Torres Gémeas teve o efeito pernicioso de desviar as atenções geopolíticas (e esforços militares, financeiros e vítimas mortais) para adversários menos importantes e poderosos como o Iraque ou o Afeganistão. Até 2001, já não nos lembramos, o Irão era a maior ameaça ao Ocidente. Começando pelo ódio e desejo de aniquilação total de Israel. A Al-Qaeda, o Estado Islâmico e outros que tais, não deixando de ser ameaças terroristas que se revelaram sanguinariamente mortíferas, passaram a ocupar o espaço mediático até recentemente. Mas o Irão esteve sempre lá – nunca esquecendo o apoio ultra-discreto russo e chinês. Inclusivamente, a apoiar contra-natura o sunita Hamas – recorde-se que o proxy tradicional do Irão na região sempre foi o xiita Hezbollah.

Hoje, como em 1979, o objectivo primário do regime dos Aiatolas é a destruição de Israel. Ninguém sabe o real efeito dos bombardeiros de Trump no sistema de armamento nuclear iraniano. Mas todos sabemos que o mundo é um sítio melhor sem ele.

Daí que, no dia em que o Ocidente como um todo – e não países avulso, conforme as necessidades de táctica interna como vimos em Espanha – reconhecer o Estado da Palestina, convém que o poder político local esteja assente numa democracia, com eleições livres para todos, homens e mulheres. Heterossexuais ou gays. Muçulmanos xiitas, sunitas ou apenas muçulmanos, sem mais. Mas também cristãos, judeus, agnósticos e ateus. É um contra-senso estar a reconhecer mais uma ditadura, teocracia ou autocracia, só porque a esquerda faz manifs com panos palestinianos na cabeça.