Assinar

Ruben Carvalho

Médico, historiador e presidente da Editorial Moura Pinto

Revolução Liberal de 1820 e os preceitos para a Guerra na Ucrânia

A 24 de agosto deste ano iremos cumprir o ducentésimo segundo aniversário da Revolução Liberal do Porto. Uma revolução iniciada por militares e pensadores políticos, que rapidamente se alastrou ao resto do país e que culminou, em 1822, com a aprovação da primeira Constituição Portuguesa, um documento francamente liberal e progressista para a época.

Representou o fim do absolutismo e dos privilégios do clero e nobreza. O início do fim da monarquia. A semente da democracia e do republicanismo em Portugal.

No seu contexto histórico, deveu-se de forma direta a um conflito armado. As invasões napoleónicas, uma década antes da Revolução Liberal, ocorridas no contexto da Guerra Peninsular, com o Reino Unido e Portugal como aliados, e como nosso opositor o Império Francês. Procuremos definir aquele conflito.

De nada vale recordar eventos históricos se o objetivo não for a sua interpretação e adaptação aos eventos contemporâneos. Descobrir o que podemos retirar dos erros dos nossos antepassados, de forma a podermos agir de forma diferente. Uma Humanidade que ignore a sua História estará condenada a reproduzir os próprios erros, comprometendo mesmo a sua sobrevivência.

Como tantos outros conflitos, incluindo vários iniciados por Napoleão, tinha o objetivo de aumentar o poder político e económico do Império Francês, pela conquista de territórios. Uma guerra expansionista.

Como outras similares, com tentativas de anexação de nações europeias, a guerra falhou e Napoleão assistiu ao colapso do seu Império, em menos de 8 anos após iniciar a primeira Invasão de Portugal.

Mais de 200 anos depois, a Humanidade não abandonou a necessidade de guerras expansionistas. Da utilização da força, coerção e medo para pressionar países vizinhos a cederem a exigências míopes de líderes autoritários. Apesar dos notáveis progressos políticos e diplomáticos nas relações entre Nações, iniciados após a II Guerra Mundial e ganhando fulgor após a Queda do Muro de Berlim e sem embargo da benéfica proliferação de alianças económicas e políticas, estamos longe de extinguir o conceito de Imperialismo. Hoje, 77 anos decorridos desde a II Grande Guerra, após um período em que quase todas as alterações nas linhas fronteiriças entre países europeus foram decididas através de acordos políticos, voltamos a ter um conflito armado em solo europeu.

Porque a Ucrânia é europeia! Os ucranianos são como nós! Como nós no desejo intrinsecamente humano de quererem controlar o seu próprio destino, resistindo à atual invasão como poucos no decorrer da História. Perante o quarto maior exército do planeta, e talvez o primeiro em quantidade de material militar, os ucranianos continuam a resistir.

Derramando lágrimas e sangue para manterem viva a esperança de um futuro livre, democrático, equalitário, globalista, fraterno.

Tal como Napoleão tentou controlar Portugal há 200 anos atrás, hoje a Rússia tenta controlar os destinos da Ucrânia. Tal como o Reino Unido se aliou a Portugal para defender o nosso território, também hoje os países europeus e da NATO apoiam financeira, política e militarmente a Ucrânia. Tal como os portugueses lutaram pelo nosso solo, também os ucranianos o fazem hoje pelo seu. Tal como os soldados de

Napoleão efetuavam execuções públicas dos portugueses que se recusavam a pagar impostos ao invasor, também hoje as tropas russas cometem crimes de guerra com violações, tortura, homicídios. Tal como, no conjunto das três Invasões Francesas de 1807 a 1810, dezenas de milhares de jovens portugueses deram a sua vida, hoje dezenas de milhares de ucranianos dão a vida pelo seu país.

Nenhum democrata pode ser a favor da guerra. Os defensores dos valores da Revolução Francesa, das modernas democracias liberais, tudo deverão fazer para prevenir conflitos. A Humanidade será tão mais desenvolvida quanto menor o seu número. Mas não esqueçamos o que é preciso fazer, num mundo ainda injusto e muito desigual, ainda com excesso de líderes autoritários com exércitos poderosos: a democracia tem que ser defendida. A “nossa” democracia, mas também a democracia “dos outros”. A obrigação moral de todos nós, que vivemos em relativa paz social, abundância e liberdades para construirmos a nossa felicidade, é recordarmos como chegámos aqui. Como um dos três países mais antigos da Europa, com fronteiras fixas e defendidas ao longo dos últimos séculos, não desvalorizemos o esforço dos que se sacrificaram por cada pequena conquista de independência e de liberdades.

Porque é nesta fase que está a Ucrânia. Ainda a garantir a sua independência e soberania. A defender as suas fronteiras. A lutar as mesmas batalhas que os portugueses travaram ao longo de séculos para podermos hoje disfrutar da nação que temos. Mas não o fizemos sozinhos. No caso das Invasões Francesas há mais de 200 anos, tivemos o apoio político, económico e militar do então Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda.

No atual conflito, temos o dever, como país, como União Europeia, como comunidade internacional de nações defensoras da democracia e do estado de direito, de não deixar a Ucrânia sozinha. Como tal é válido para qualquer nação a lidar com um exército invasor, imperialista. O apoio sem precedentes a nível económico, militar e humanitário que continua a ser dado à Ucrânia não só deve continuar, como deve ser expandido.

Não vivamos com medo do agressor! Esta foi a realidade em boa parte da História da Humanidade. Após um séc. XX em que a Humanidade assistiu ao quase máximo sofrimento causado por conflitos armados, o que deve caracterizar o séc. XXI é o fim de tais conflitos. Para tal, toda e qualquer entidade agressora deve ser derrotada, isolada da comunidade internacional, julgada pelos crimes que cometeu. O que devemos almejar deixar nos futuros livros de História sobre a Época em que vivemos é o real fim do imperialismo, do expansionismo. Mas para tal, não podemos deixar de lutar! Nem podemos deixar de apoiar, incondicionalmente, quem luta ainda mais do que nós!