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Carta aberta ao deputado Nuno Melo

Senhor Deputado, Nuno Melo:

Não sou crítico com o objectivo de denegrir, nem um frustrado sem nada para fazer, porque costumo entrar ao serviço cerca das sete horas da manhã e, já ultrapassados mais de três quartos de século de actividade, primeiro no comércio e cinquenta e sete anos na indústria.
Desde os dezoito anos que apostei em servir a Sociedade, idade em que comecei a sentir a desgraça dos outros, num tempo em que um operário ganhava quando tinha trabalho na pobre agricultura dessa época, seis a sete Escudos por dia, com os quais apenas podia comprar: três quilos de pão de milho ou, um quilo e meio de açúcar ou ainda, a mesma quantidade de bacalhau.
Faço estas afirmações com plena convicção, pois comecei a comprar e vender alimentos em Junho de 1935, em Estabelecimentos de Mercearia que montei com dezasseis anos e meio.
Sou um cidadão com mais de sete dezenas de anos no Comércio e na Indústria e, felizmente com boa memória que, desde jovem, apostou em estar na Sociedade para se servir mas também, para A engrandecer com o meu trabalho e um querer digno dela.
Dois objectivos principais dominaram o meu pensamento: dignidade e trabalho; sempre com eles na mente, foi com naturalidade, que atingi as minhas aspirações.
No meu desejo de entrega, também exerci durante doze anos a actividade política com a qual gastei tempo e dinheiro, sem receber um cêntimo, mas ganhando a satisfação de tudo ter feito para honrar o cargo que me foi confiado.
Felizmente, naquele tempo (1962/1974), não havia ordenados ou senha de presença, e a paga era apenas, a honra do cumprimento de um dever cívico.
Com esta personalidade, ser-lhe-á mais fácil perceber a revolta que senti com a sua afirmação de que o número actual de Deputados é indispensável, esquecendo que a grande maioria das cabeças pensantes sabem que, menos de metade, seria mais do que suficiente e que, cada um deles, custa ao contribuinte mais de quinhentos mil Euros/ano.
Com as suas afirmações o Senhor perdeu, grande parte do seu prestígio e o C.D.S. apanha por tabela, Dr. Paulo Portas incluindo, porque é demonstração inequívoca, de uma posição “Em defesa do tacho”, que o País honesto não tolera, porque está em contraste com o Dever.
São essas e outras atitudes que geraram uma total aversão à classe política pela quase totalidade do País que pensa e, creio que, também, da maior parte dos Europeus.
Destas considerações, ficarão duas conclusões:
a)    Tem de continuar a haver quem governe para que seja possível a vida em Sociedade; É por isso um fatalismo termos de viver com dirigentes a quem se chamam políticos.
Mas política é arte de ajudar as pessoas a viverem melhor, e tem de ser executada com o objectivo de servir não podendo, conspurcar esse dever trocando-o por interesses pessoais ou de grupo.
Certamente que o Dr. Nuno Melo, que creio ser Homem inteligente, sabe que as minhas afirmações correspondem a pensamentos enraizados no povo que, pela longa experiência aprendeu a conhecer, quem O serve e quem Se serve.
b)    Desta apreciação que eu sinto ser honesta, ressalta a minha apreensão pelo futuro, que me leva a alertar para os males que podem acontecer, antes que eles se agudizem e transformem em tragédia.
A minha intuição diz-me que, se não houver uma alteração voluntária, pode acontecer um descontrole que poderá servir de patamar para essa tragédia, onde o mau e o bom são igualado na desordem da turba ululante e igualmente atingidos, como aconteceu na Revolução Francesa com as suas barbaridades.
Peço-lhe que entenda a minha carta como um “ALERTA” bem intencionado, de quem deseja o bem de todos e, também, o Seu.
Gostaria que este alerta, de alguém que, depois de viver mais de nove dezenas de anos, oitenta dos quais de trabalho exaustivo e, felizmente, com sucesso material, mas que não se esqueceu de ir dividindo com a Sociedade. A sua maior preocupação é, que Deus lhe vá dando sempre mais um dia para poder aprender mais, e distribuir o resultado dessa aprendizagem pelos outros, como tem feito toda a vida.
E porque seria crime que alguém exigisse que a sua riqueza material fosse com ele na tumba, também considero crime que, aqueles que tiveram o privilégio de aprender, guardem consigo esse tesouro, sem a partilhar com a Sociedade.
É isso que venho fazendo com a satisfação, de quem cumpre com prazer um dever de consciência e de cidadania.

Comendador Almeida Roque

Março 2012