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Bairrada // Oliveira do Bairro  

Fado de vida pela voz de um poeta

 

José Manuel Silvestre Guerreiro foi “o segundo a nascer” na Sociedade Democrática União Barreirense, há 62 anos. É o mais novo de uma prole de cinco filhos e o único rapaz. “Costumo dizer que sou o mais velho dos rapazes”, diz, com graça.
Sentido de humor não falta ao fadista e poeta, que escolheu Oiã para viver há 14 anos. No dia 4 deste mês de Dezembro, cumpriu um sonho há muito ambicionado: a publicação do livro “Poesia Silvestre – Versos em Tom Menor”, colectânea de poemas, alguns dos muitos que já escreveu. “Sempre achei que tinha jeito para escrever… Sentia mesmo necessidade de escrever e a rima saia-me espontaneamente”, constata.
No escritório de casa, encontra o seu refúgio. Rodeado de livros e CD’s, mas principalmente de memórias. Nas paredes, saltam à vista posters de actuações de outrora e fotografias, algumas de fadistas, como Carlos do Carmo, que já viu ao vivo “por 11 vezes”. Nas vitrinas, os objectos contam histórias. Uma delas, decorada de azul e branco, é dedicada quase a 100% ao seu FCP. Medalhas comemorativas de campeonatos, pratos, canecas, porta-chaves, canetas e muitas fotografias, algumas com o líder portista, a quem muito admira.
As conversas vão-se (des)encadeando. Viajamos no tempo, por entre os cartões de toda a espécie e feitio que guarda numa capa. Desde cartões de sócio de inúmeras colectividades, ao cartão da Caixa de Previdência, o da escola que frequentou no Barreiro, o do grupo sanguíneo, o cartão da Escola Comercial e Industrial de Setúbal (onde tirou o curso complementar de Mecanotecnia, correspondente ao 11.º ano)… nem o cartão da Mocidade Portuguesa falha nesta sucessão de recordações.
As fotografias marcam os sinais dos anos. “A partir daqui, começo a aparecer de bigode. Deixei-o crescer em homenagem ao meu avô António Manuel Silvestre, que nunca conheci. Mas a minha mãe dizia que eu era muito parecido com ele e eu, em sua homenagem, deixei crescer o bigode e nunca mais o tirei – seguramente há já quase 30 anos”, recorda José Guerreiro.

“Minhas memórias artísticas”. O dom da palavra e de “bom conversador” permite-lhe ser também apresentador. “Apresentava os artistas, em espectáculos, onde era preciso – e até já apresentei as Marchas Populares de Oliveira do Bairro por duas vezes”, atesta José Guerreiro.
Tem as datas na ponta de língua. “Canto o fado desde 6 de Fevereiro de 1972. Cantei «Domingo em Lisboa», vestido de mulher, num espectáculo carnavalesco n’Os Franceses, no Barreiro, onde nasci”. Em “Minhas memórias artísticas” estão anotadas todas as actuações. “Apontava os fados que cantava, o que ganhava, se tinha muito ou pouco público… e continuo a apontar! Até 2009, foram 1719 actuações. E este ano devo fazer 40.”
“Quando era miúdo, os meus pais não me deixavam ir para a rua brincar na hora do calor. Eu ficava em casa com a minha mãe e o rádio tocava o dia todo. Eu ouvia e decorava tudo. Depois, cantava para a minha mãe. A minha irmã Odete dizia «Temos de o levar à Emissora, ele canta tão bem!». Mas eu não queria. Depois, comecei a cantar nas excursões e não me largavam”, conta com entusiasmo.
Quando foi para a tropa, “queria arranjar maneira de ter a vida facilitada.” Mas saiu-lhe o tiro pela culatra. “Em Elvas, inscrevi-me para cantar no Juramento de Bandeira. Pensava que chegava lá, cantava Roberto Carlos – eu cantava 76 canções dele com sotaque brasileiro! – e estava apurado. Mas o aspirante que seleccionava não ia com o Roberto Carlos nem à lei da bala e eu fiquei de fora. Apanhei uma decepção…”
A partitura de “Gaivota” aguarda na estante para ser ensaiada. Peço-lhe para ouvir um dos seus fados de eleição. Abre gavetas e armários, de onde saltam à vista centenas de cassetes e CD’s. Escolhe “O Emboçado”, um dos mais requisitados ao longo da sua vida artística.
O tempo voa como uma flecha. Muito haveria ainda para contar e recordar. Despedimo-nos com ideias para o futuro. Um novo livro “é uma hipótese”. De poesia ou talvez não. O fado continuará a preencher-lhe (grande) parte do tempo. Em 2012 comemorará 40 anos de dedicação.

Oriana Pataco