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João Sousa

Troviscal

2020 – Ano duro demonstra resiliência e força da Agricultura Familiar

O virar de anos é propício a contas e balanços. Depois de um 2020 com impactos desastrosos a nível global, deposita-se em 2021 a expectativa de que a vida possa melhorar.

A pandemia de Covid-19 agravou em 2020 as condições de vida e de trabalho, particularmente daqueles que já estavam fragilizados, assim foi também no campo. A Agricultura Familiar teve dificuldades de escoamento, os preços na produção mantiveram-se baixos, e até pioraram, e os apoios não foram suficientes para fazer face à grande perda de rendimentos.

Mas nem só de pandemia vieram as dificuldades da Lavoura. Os problemas são velhos, crónicos e têm culpados. As contas à última década confirmam a ceifa de explorações agrícolas, menos 15,5 mil, sobretudo pequenas e médias, apontam outras preocupações como o envelhecimento da população agrícola, a intensificação da Agricultura ou a redução da área de cereais…

É preciso mudar o rumo das políticas que nas últimas décadas foram levadas a cabo por sucessivos governos, anuindo às orientações dos poderes de Bruxelas.

Mas os votos que se fazem em novos ciclos também não encontram futuro risonho no contexto da PAC que, a concretizar-se como se perspetiva, irá agravar os problemas e os desafios que se colocam aos Agricultores, aos cidadãos e ao planeta: assimetrias e concentração da propriedade, eliminação de pequenas e médias explorações, desertificação humana dos territórios, degradação do ambiente e da qualidade alimentar.

Ao assumir a Presidência da União Europeia nos primeiros seis meses de 2021, Portugal anuncia a intenção de encerrar as negociações da PAC para 2021-2027. Mas não basta ao Ministério da Agricultura e ao Governo anunciar o cumprimento de agendas ou propagandear milhões de tal forma que se desviam atenções daquelas a quem muitas vezes nem os tostões chegam e que são os que mais precisam.

Não basta falar de transição justa e de uma Europa social. São necessárias políticas públicas que garantam justiça social. É necessário aplicar e distribuir de forma justa os mecanismos financeiros disponíveis para o desenvolvimento do País e para acudir às consequências económicas e sociais dramáticas da pandemia e que vão continuar a afetar as populações, os trabalhadores, os camponeses, as mulheres agricultoras e rurais.

A CNA continuará a acompanhar o processo negocial e a apresentar propostas para uma PAC mais justa, com uma redistribuição do apoio público a dar prioridade a modelos que se baseiam na Agricultura Familiar e nos princípios da Soberania Alimentar.

E ao Governo Português cabe salvaguardar convenientemente o interesse nacional nas negociações sobre a reforma da PAC durante a Presidência da UE.

Olhar para 2020 em retrospetiva levou-nos à primeira Voz da Terra de 2020 e às notícias e posicionamento da CNA difundidos por diversos meios. Está logo nas imagens a grande transformação do ano. Das fotografias das iniciativas públicas da CNA e Filiadas e dos contactos com os Agricultores e consumidores, saltam à vista a partir do primeiro trimestre as máscaras e as condicionantes que a pandemia de Covid-19 trouxe para a vida da população.

Se as imagens mostram o mais evidente, as palavras relatam as dificuldades acrescidas para a Agricultura Familiar. Às já crónicas más opções políticas do Governo e do Ministério da Agricultura, penalizadoras da Produção Nacional, do Mundo Rural e da Soberania Alimentar do País, somaram-se os prejuízos da pandemia, estados de emergência, confinamento, limitações de circulação, diminuição da atividade económica…

O encerramento da restauração e da hotelaria no início da pandemia – que coincidiu com o período da Páscoa – e forte diminuição da atividade no resto do ano teve um impacto muito penalizador na Pecuária, no Vinho, nas Hortícolas, no Azeite tradicional, entre tantos outros. As produções por vender – e muitas por colher – acumulam-se e os prejuízos também. A diminuir só mesmo os preços na produção e os rendimentos dos agricultores e das suas famílias.

Já a fechar o ano, no Natal e Passagem de ano, os agricultores assistiram novamente a quebras brutais na comercialização da sua produção, nomeadamente na tradicional couve penca.

Com os canais de escoamento estrangulados, a Agricultura Familiar ainda teve de enfrentar a ameaça de encerramento de feiras e mercados de proximidade – tentativa que o Governo quis repetir em novembro . Mas perante uma forte contestação de Agricultores e consumidores, e da rápida posição da CNA, o Governo teve de recuar.

As populações de diversas localidades do País podem continuar a alimentar-se com produtos locais de qualidade e contribuir para o seu fortalecimento.

Hoje não se pode negar a importância dos circuitos curtos de comercialização de produtos agro-alimentares, mas há injustiças que é urgente corrigir. As grandes superfícies comerciais que permaneceram abertas mesmo quando se mandava fechar feiras ao ar livre apressaram-se a fazer publicidade à custa dos agricultores e consumidores, promovendo, ao mesmo tempo, importações desnecessárias de bens agro-alimentares.

Não será demais lembrar que por cada 100 euros que um consumidor gasta, em média, num supermercado, apenas 20 euros são para o Agricultor que, depois de pagar os custos de produção, fica apenas com 5 euros. Para a distribuição e para os intermediários vai a grande fatia daquilo que pagamos pela nossa comida. Há que dizê-lo com frontalidade que não é justo!

Reforçar a posição dos agricultores na cadeia de abastecimento é um dos objetivos da estratégia “Do Prado ao Prato” do Pacto Verde Europeu e deve, por isso, encontrar reflexo nas políticas concretas que venham a ser definidas, a começar, nomeadamente, pela regulamentação e fiscalização da atividade das grandes superfícies comerciais.