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Carlos Vinhal Silva

Anadiense

A ideologia do poder

As épocas de eleições são, tendencialmente, caóticas e tumultuosas. Trocam-se acusações, ouvem-se gritos e insultos, escutam-se discursos exaltados em nome de algum valor, mas raras, muito raras, são as vezes em que, efetivamente, se discutem teses e se apresentam argumentos. Tudo porque a perseguição pelo poder (ou pela sua manutenção) parece ter ganho precedência sobre as batalhas ideológicas que outrora eram a norma nestas épocas. Mas, numa época em que tudo flui e muda muito rapidamente, frequentemente contra a própria essência humana e política, tem-se evidenciado que as entidades políticas estão a abandonar as suas crenças nucleares, fazendo-nos cair num vazio ideológico e de ideias. E a consequência, lamentavelmente, é a emergência de uma sombra sobre a própria democracia.

Aquelas que deveriam ser o sangue dos partidos políticos, isto é, uma ideologia clara que presidisse às respetivas ações políticas e unisse os seus militantes à volta de valores comuns, têm vindo a ser derrubadas pelo fascínio do poder que tem intoxicado os mais diversos partidos políticos que têm vindo a demonstrar uma verdadeira ausência de crenças e princípios, chegando ao ponto de comprometer aquela que outrora foi a sua ideologia. Eis o resultado: a democracia enfraquece, cresce o oportunismo onde os agentes políticos estão dispostos e preparados a defender políticas a que antes se oporiam veementemente e atacar posições que antes defendiam com afinco. Tudo em nome de ganhar ou manter o poder.

A erosão ideológica da política que, como temos vindo a defender, mina a confiança na democracia e no próprio processo democrático, leva a que os cidadãos, na prática, confiem menos nos partidos que constam nos boletins de voto. Uma democracia saudável e jovem, como é o caso da democracia portuguesa, pelo menos, neste segundo adjetivo, exige uma discussão de ideias robusta e sustentada, debates assentes em princípios, teses e argumentos, e, naturalmente, um compromisso estabelecido pelo bem-comum, ao invés de um foco singular em manter e preservar o poder a qualquer custo, disseminando mentiras ou publicando e aplicando leis em momentos, no mínimo, questionáveis.

Portanto, esta mudança alarmante para uma ideologia do poder levanta sérias preocupações relativamente ao estado da democracia contemporânea. Enquanto cidadãos, devemos cumprir a nossa responsabilidade e garantir que os princípios pelos quais nos regemos estão salvaguardados no sistema político e exigir aos nossos líderes de hoje o que se exigia aos primeiros líderes democráticos: que priorizem o bem público e o bem de todos e não os ganhos pessoais, frequentemente ilegais ou, pelo menos, imorais. E para o alcançar é necessário que responsabilizemos os agentes políticos que contribuíram para a degradação da democracia e da própria política: apenas assim podemos garantir um futuro onde as ideologias, na forma de ideias e valores partilhados, não são sacrificados no terrível altar do poder.