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Manuel Armando

Padre

A Páscoa da minha infância

Páscoa é Páscoa em todos os lugares e tempos. Convenhamos, contudo, que muitos dos homens, no mundo inteiro, não compreenderão ou aceitarão este grandioso mistério da entrega, no amor, de um Deus que baixou até à condição humana para levar a cabo a missão de redimir o Homem que, um dia, se virou contra o seu Criador, querendo ficar a saber tanto como Ele, depois de seguir o convite insidioso de quem se predispôs a não carregar sozinho a infelicidade.

Claro que experimentamos e vivemos uma atitude muito humilde, mas segura, que se chama a Fé, a grande e rica força que nos leva a “ver” o que os nossos olhos carnais não atingem e “ouvir” a voz permanente de Quem nos chamou a acreditar.

O presunçoso ou orgulhoso jamais se preocupará em transpor a barreira do invisível. Queda-se na sua humanidade sem admitir que o Além significará o tempo e o estado em que toda a justiça irá adquirir o pleno cumprimento.

Todavia, havendo sinceridade pessoal na dúvida sobre o mistério, abre-se uma porta à chegada possível do Espírito renovador, capaz de realizar maravilhas de entendimento e conversão.
Páscoa é passagem da morte para a vida, regeneração do Homem que se afastou de Deus, mas que, não estando posto de parte, tem sempre ao seu alcance momentos de procura da verdade em que se pode descobrir a si mesmo, embrenhado nela e, sem saber porquê nem como, a encetar caminhada luminosa de felicidade e sonho que ultrapassa todas as suas faculdades temporais reconhecidas.

Há sinais que nos levam, nas suas asas, até ao mais longe que podemos imaginar, ainda que, na procura do caminho certo, partamos de quaisquer posições negativas pré-concebidas. O coração, porém, deve deixar-se penetrar e iluminar pelo sol da mensagem e dos gestos que se introduziram, ao longo dos séculos, ajudando à compreensão progressiva de quanto a inteligência não percebe, mas que se abre ao

Além que já habita em nós. Somos corpo e, igualmente, alma vocacionada para o eterno.
Lembro a Páscoa de quando pequenito. Acordando bem cedo, corria-se até aos padrinhos a pedir a bênção pascal, prefigurada num simples folar, onde o ovo era sublime tradutor de nova vida que ressurgia, alegre e promissora.

Depois o tilintar das campainhas a despertar-nos para o Cristo, anunciado como ressuscitado e vivo entre os homens a convidá-los à realidade da Fé na Ressurreição.

De certeza, pouco percebíamos sobre tudo o que se passava, mas a semente era lançada e, germinando, faria desabrochar a certeza de, mais tarde, acharmos a desejada razão esclarecedora e vencedora para as nossas ignorâncias.

Lendo atentamente a Boa Nova do Evangelho com os olhos sem palas, havemos de entender que o Mistério da Morte do Senhor Jesus continua, nestes tempos, algo a ser revivido por quantos, pelo mundo fora, são sacrificados no seu corpo, num testemunho insofismável de fidelidade incondicional ao Espírito e à sua fé pessoal, buscando saborear a Páscoa de Jesus Cristo que é a Páscoa de todos os homens.

A Páscoa da minha infância e da minha aldeia continua a dar, hoje, os frutos da Graça, Fraternidade e Paz. Assim eu o procuro acreditar e afirmar também.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo
ortográfico, por vontade expressa do autor