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Orlando Fernandes

Assinante JB

A quebra de rendimentos

A inflação já era o principal risco para a economia mundial antes da guerra na Ucrânia. Na verdade, a subida dos preços decorre sobretudo das disrupções nas cadeias de abastecimento provocadas pela pandemia, embora o conflito tenha agravado os custos da energia.

As autoridades europeias defendem que a alta da inflação é transitória, mas talvez seja apenas um wishful thinking. Numa conjuntura tão incerta, é difícil prever com segurança a normalização dos preços.

Em Portugal, a inflação atingiu os 5,3% em março, o valor mais elevado desde 1994. E é consensual, entre os economistas, que possa chegar aos 6% no verão a persistir em alta no próximo ano. Como consumidores, temos a perceção de que tudo sobe muito rapidamente, desde os combustíveis ao preço dos produtos no supermercado. Isto, apesar de muitas empresas só agora estarem a renovar os seus stocks e a estabelecerem novos preços.

Para as empresas, a subida da inflação representa um agravamento significativo dos seus custos, obrigando muitas delas a esmagar as margens de lucro, por não conseguirem impor preços mais elevados. Para as famílias, a inflação é um imposto escondido que reduz o seu poder de compra sobretudo se os salários não forem atualizados em consonância com a evolução dos preços.

Para evitar uma espiral inflacionista, o Governo deixou uma mensagem muito clara de contenção salarial. Há muito que sabíamos que os funcionários públicos iriam ser aumentados em apenas 0,9% (embora a inflação seja muito superior) e, por arrasto, os trabalhadores do setor privado não devem ter tido grandes melhorias salariais, perdendo assim poder de compra.

Circunstância agravada pelo facto de os escalões de IRS não terem sido atualizadas em função da inflação.

Ora, Portugal não deve abdicar do compromisso de subir o rendimento médio por trabalhador, aproximando-o dos valores médios da União Europeia. Até porque, se a inflação for duradoura, a estagnação salarial torna-se insustentável haverá tensões sociais, subida da emigração (designadamente dos mais qualificados), forte quebra do consumo e falência de empresas que dependem do mercado doméstico. Em suma, o espetro da recessão voltará ao nosso país.

Importa, pois, tratar a questão salarial com pinças. Não é líquido que o aumento dos salários implique uma subida dos preços, tanto mais que são sobretudo fatores externos a provocar a inflação. E, diminuindo os rendimentos, corremos o risco de matar o doente com a cura.