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Manuel M. Cardoso Leal

Historiador

A União Europeia numa nova fase

A invasão da Ucrânia pela Rússia apanhou a Europa democrática desprevenida. Uma guerra na Europa, 77 anos depois da II Guerra Mundial, era para a maioria dos europeus algo longínquo, pertencente ao passado. Ora este largo período de paz (raro na História da Europa), deveu-se muito ao sucesso da União Europeia, a grande realização transnacional que nasceu integrando velhos inimigos (em especial a França e a Alemanha) precisamente para superar a guerra e dar prioridade ao desenvolvimento económico e ao bem-estar das populações. Quanto à defesa, a Europa ocidental confiou-se à proteção da NATO, em aliança com os Estados Unidos da América e o Canadá.

Quando, no final dos Anos 80, o bloco comunista colapsou, logo quase todos os países europeus que lhe estavam submetidos pediram, como quem mete trancas à porta, a adesão à NATO para garantir a sua defesa e a adesão à União Europeia para o seu desenvolvimento económico. A Europa democrática tornou-se um «gigante económico», mas limita-se a ser um «anão militar» (esta expressão aplica-se bem à Alemanha, não à França e à Inglaterra). Ao passo que a Rússia, ressentida, continuando a ser um «anão económico» (com um rendimento médio por habitante inferior a metade do português), não parou de investir para se afirmar como um «gigante militar e nuclear», com ideias de subjugar outra vez os países que lhe fugiram ao domínio.

A Ucrânia é como uma ovelha que se atrasou e foi atacada antes de alcançar refúgio no redil democrático. A Rússia atacou-a conhecendo as fragilidades da União Europeia, não apenas no plano militar, mas também o risco de desunião por ser difícil conciliar tantos interesses nacionais diferentes, bem como a relutância das opiniões públicas em voltar aos tempos trágicos da guerra. E a União Europeia, se pensava assegurar a paz com base apenas nas relações comerciais, percebeu agora que ela própria, o seu desmembramento, é o desígnio principal da Rússia.

Foi esta tomada de consciência que levou a União Europeia a reagir de forma surpreendente. Entre os Estados-membros não se desuniu quando tomou decisões graves que envolvem grandes custos – aliás, perante outros desafios recentes (o Brexit e a pandemia), já tinha reforçado a sua unidade. E entre as opiniões públicas, parece ter-se reforçado também uma comum identidade europeia democrática, significando que a construção da União Europeia é sentida pelas populações como algo importante para as suas vidas e não apenas como obra de políticos e burocratas distantes.

As decisões já tomadas no sentido do rearmamento, quer pela União quer pelos Estados-membros (em especial a Alemanha), mostram que se entrou numa nova fase. A União Europeia percebeu que não lhe basta ser forte na economia, mas tem de sê-lo também na defesa, construir talvez um exército europeu.

Assim como alterou a sua política de acolhimento de refugiados. E prepara-se para ganhar mais autonomia em matéria de energia. Até na política industrial a nossa Europa terá de reduzir certas dependências nas cadeias de produção, que a recente pandemia pôs em evidência.

Tudo isto envolve custos e sacrifícios no bem-estar da população, por tempo indeterminado e cheio de perigos. Mas o reforço da identidade europeia dá esperança de que os cidadãos, bem conscientes do que está em causa, tenham ânimo para suportar tais sacrifícios. Porque a Europa democrática tem de prevalecer sobre os ditadores!