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Manuel Armando

Padre

A vida não é um teatro

Um amigo meu, a quem muito estimo e admiro, sempre que nos encontramos, e muitas são as vezes, quando o saúdo, perguntando como está, invariavelmente me responde: – «Eu cá vou representando».

Chalaceio com a resposta, mas fico a cogitar se a vida será mesmo um teatro permanente no qual cada um não assume a sua própria personalidade para, ao contrário, se revestir de uma personagem diferente, fictícia e irrealizável.

Posso dizer, e não pretendo alardear qualquer grau de vaidade, que sou uma pessoa de palco. Todavia, asseguro que me distancio e destaco no sentido de não assumir senão apenas quem sou com algumas capacidades e muitas limitações artísticas pessoais e não me apetece desempenhar outro papel diferente daquilo que é a minha realidade existencial própria e, muito menos, usurpar nunca a importância de outro vulto, por muito conhecido e nobre que seja na história da sociedade na qual me insiro.

Repisando na mente muito do que se observa, à nossa volta e todos os dias, em grupos e nos indivíduos, sou mesmo levado a supor que grande parte da sociedade passa a vida a representar papéis alheios que não se adaptam ao feitio de quem deseja ter um viver direito e nobre, cumprindo tanto quanto pode seriamente a sua missão ou um papel adequado à sinceridade do seu ser, isento e distanciado da cumplicidade com tarefas que nunca experimentou e lhe são estranhas.

O que escrevo não significa, de forma alguma, qualquer menosprezo pelos grandes ou pequenos actores que têm a arte de fazer, com o seu empréstimo a certas facécias da vida humana, interiorizar a destrinça entre o bom e o mau, a verdade e a ficção. São tarefas que devem ser cumpridas, a bem da cultura e até da mudança de comportamentos pessoais e colectivos.

Admiro, sobremaneira, o exercício do palhaço. É uma figura de palco que comporta em si o desempenho mais difícil na arte do teatro. Por vezes, vivendo dramas interiores, psicológicos e anímicos negativos, obriga-se a mostrar um novo e diferente homem que ri e faz rir com enorme vontade de chorar ou chora mesmo, massacrado por uma sociedade macabra. Aqui parece representar, mas, na verdade, passa para o público a ideia de que o seu pranto é uma galhofa sobre os problemas intrincados que grassam pelo meio de muita gente.

Que nobreza nessa arte de saber sonegar!
Se todos tivéssemos consciência do papel ou missão que nos é atribuída no acto da criação e se fossemos capazes de o exercer com hombridade e honestidade, tornaríamos o mundo diferente e melhor.

Podemos examinar algumas das vicissitudes dos homens no seu universo de trabalho, gerência ou governo para descobrirmos o imenso número de indivíduos que mostram doçura, acalentando sonhos nos estranhos, mas acabando, porém, por amarfanhar impiedosamente os que acreditaram em alguma seriedade de vida.

Crianças e adultos deverão sempre deixar de disfarçar a sua personalidade, mas cultivá-la pelo desempenho cabal de construção daquele outro mundo sempre renovado com a verdade.
O teatro pode ser e é uma arte sublime, mas não lhe caberá nunca ser norma habitual de convívio entre humanos. Deve, isso sim, levar todos a reflectir sobre a missão de cada um, chamado a abrir as portas da lisura e amizade na actuação do homem como missão única que lhe compete na feitura de uma comunidade alicerçada sobre pedras de boa vontade e argamassadas no amor fraterno globalizado.
Jamais representaremos, quando olharmos em nós a vida sem espelhos nem disfarces.