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Manuel Armando

Padre

A Vontade educa a Liberdade

Frequente é ouvir-se que a sociedade está em mudança permanente e tudo passa por uma metamorfose de maneira inesperada a ponto de causar desinteresse e apatia nuns e, noutros, preocupação ou inquietação a impedir o sono conciliador.

Na verdade, tantas são as coisas que na vida social deram um salto colossal, nem sempre ajustado, a querer projectar o homem menos avisado para um abismo, profundo e desconhecido.

As transformações são inerentes ao crescimento da pessoa naquela sua inteligência que descobre tudo quanto é aproveitado para facilitar a actuação e modo de estar numa conformidade dos membros da comunidade, entre si.

Torna-se inevitável que as empresas, os Estados, as famílias e os demais agentes que, de alguma maneira, abrangem os indivíduos devam desenvolver-se, criando sistemas e formas de fazer qualquer indivíduo mais feliz e colaborante com as suas capacidades e dotes utilizados para o bem comum.

Daí que todos terão de ser conduzidos de forma a poderem educar-se nas suas riquezas humanas, morais e espirituais.

Ao longo dos tempos, homens e mulheres vão empregando as suas energias nas pesquisas aturadas e em experiências concretas para darem cobro aos seus sonhos de sempre.

Quando isso sucede numa base altruísta, vão-se criando certezas e alegrias como fundamentos de paz na consciencialização comum de que o trabalho e o empenhamento competem a todos e a cada um, dentro das suas limitações pessoais próprias. Até a mais pequenina e simples pessoa tem o seu lugar na obra grandiosa de construção da humanidade correcta e justa.

Martin Luther King discursava sobre a sua esperança de respeito, abertura, convivência e colaboração no acatamento da verdade sobre os direitos cívicos de todos, brancos e negros, de modo a eliminar as barreiras do racismo para criar uma sociedade igualitária. Dizia: “I have a dream” – “Eu tenho um sonho”.

Não foi uma ideia absurda que ele proclamou, mas materializou com palavras um desejo genuíno e forte, nascido no seu coração e crença, que ainda hoje vai criando naturalmente os seus frutos, mesmo que não se descubram de imediato. Pelo menos, continua a repetir-se em vários quadrantes políticos, civis e religiosos, essa frase lapidar que nos faz parar e reflectir, acordando todos para a realidade, e lutar contra o indiferentismo doentio.

Mais que nunca é agora claramente urgente a orientação das gerações em crescimento para os valores e utilização sã de tudo o que já se possui ou se vai adquirindo.

Parece existir, hoje, uma ambição desmedida e insaciável por quanto surge, todos os dias, de novo no mercado das amostras.

Basta que alguém se julgue desactualizado numa tarde para, logo na manhã seguinte e bem cedo, procurar o último grito dos aparatos técnicos que vão, em muitos casos, contribuir para a alienação intelectual e volitiva daqueles que se deixam enredar nas teias das aranhas sedutoras subversivas.

O passo, variadíssimas vezes, é de pretenso gigante embora quem o experimenta dar não exceda a figura de um insignificante e pobre pigmeu.

A contenção dos desejos e fantasias também deve ser sujeita à programação natural das normas de educação e disciplina, básicas no crescimento da personalidade.

A liberdade é um bem e um direito, mas exige ser orientada pela vontade pessoal ou por quem está investido nas sublimes tarefas de ensinar.

Recordo um modo simples, eficaz e seguro de refrear uma apetência normal desde criança.

Por um trabalho leve que, no período escolar, fazíamos quase todos os dias – eu e minhas irmãs – éramos recompensados pela nossa professora com uns rebuçados. Ciosamente, resguardávamos os infantis apetites até à noite de Natal porque o Jesus, que desceria na chaminé, iria precisar dessas guloseimas para no-las “oferecer”, uma vez que tinha muito caminho a percorrer e, noutros lados, mimosear outros meninos. Nessa altura eramos nós a “ajudá-Lo”.

Ao olhar para esses mimos, convidativos e apetecidos, resistíamos a qualquer tentação pois nos tinham apontado outros valores mais altos. Viria a ocasião de uma alegria por um gesto assim tão magnânimo.

De verdade, somos livres em numerosíssimas coisas e marés, mas a vontade, personalizada e assumida, aparecerá, em consequência, como constante e poderoso travão, frente à possível utilização inadequada da liberdade.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor