Assinar

Manuel Armando

Padre

Ah, se a greve fosse a música da felicidade…

Concorde-se ou não, o certo é que foi conferido a todos os sectores da sociedade aquilo a que chamamos pomposamente “greve”. Presta-se-lhe grande homenagem pelo barulho que produz, pela “alegria” que acarreta e, sobretudo, talvez por um trabalho interrompido que não faz calos.

Durante a mesma, dá-se nas vistas, fazem-se passeios, tocam-se apitos, assobiam-se vaias e desafios, exibem-se cartazes e bandeiras conformes à cor política que acicata a multidão mais ou menos numerosa, percorrem-se ruas e becos, tentando acordar a atenção dos mais distraídos e atordoam-se muitos que nada mais conseguem fazer na vida senão trabalhar e escavar o pão para a sua casa.

É um direito consignado na lei e que assiste a quantos, lutando pela elevação da comunidade, dizem, procuram engrandecer a família, as empresas e todos os membros activos e vivos da comunidade humana.

Durante séculos, nem sequer se conhecia o significado de tal movimento.

Lembro os primeiros tempos após a liberalização da greve, uma vez que tal privilégio tem apenas algumas décadas de aprovado. Numa certa ocasião até eu próprio fui envolvido, inocentemente, em escaramuças verbais, achando-me julgado, num momento repentino e sem saber porquê, mas talvez por ideias e ditos que jamais teriam passado pela minha intenção.

Recordo, da mesma forma, a impressão negativa que me causava o facto de ver magotes de operários, com os braços cruzados, em frente aos portais das oficinas que lhes davam trabalho e sustento.

As coisas foram-se mudando e alargando até atingirem, no presente, dimensões que quase dão para assustar. Pessoalmente – e nada vale a minha opinião – não estou contra as greves. Nem contra nem a favor. Contudo, também não sou neutro. Ao imaginar, porém, nestes nossos dias, o enorme desperdício de horas de laboração, o que não afectará tanto uma empresa em si, mas, muito mais, a milhares de pessoas que sofrem, por tabela, a diminuição da economia que traz às suas costas o peso da fome, mal-estar, desconforto, dúvida sobre qual será o amanhã dos mais novos desta sociedade que serão os futuros caminhantes inseguros, duvidosos e desconhecedores da possibilidade de uma vida razoável, mais adiante.

São operários e gestores, policiais e algumas outras autoridades, médicos e enfermeiros, camionistas e taxistas, professores e educandos, tropas (algumas) e civis, aviadores e maquinistas, cozinheiros e auxiliares, funcionários públicos e privados, etc., etc., um sem número de personagens trabalhadoras que não dão tréguas nem a ninguém sustentam ainda que vejam alastrar-se a carestia que vai arrastando todos até um provável precipício escusado.

Pode mesmo afirmar-se que a paralisação de quaisquer ramos laborais da vida comunitária abre escancaradamente as portas a uma derrocada final.

Estarei a ser demasiadamente pessimista? Talvez! Gostaria, todavia, de ver todos os habitantes do nosso planeta usufruírem o conjunto da riqueza que exorna a sociedade e que, não sendo aproveitada, por desvairamento das diversas missões humanas, conduzirá a uma anulação do bem que seria o viver-se sempre uns com os outros na harmonia e colaboração.

Como sou nascido no tempo em que este divertimento, chamado greve, não era autorizado e, apesar das dificuldades familiares serem abundantes, comparando os ideais destes dias de hoje, dou imensas graças por as nossas famílias de antanho não terem, na altura, conhecimento nem inclinação de paralisar o trabalho, teimando, isso sim salutarmente, na busca do pão para cada dia.

Louvo, em memória, a canseira de meus pais que não se ocuparam com reivindicações, porque tinham em vista aqueles que eram agasalhados sob as suas asas e assim, nunca nos faltaram os bens essenciais, – as batatinhas, as couves ou as cebolas, sempre servidas numas malgas de simplicidade, sem outras desmedidas e inadequadas ambições.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor