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Manuel Armando

Padre

Ainda…

Penso muito e bastantes vezes no aspecto físico e anímico da minha pessoa. Vou ao espelho virtual para me certificar sobre quem fui, sou ou serei. A tudo isso, acredito, responde-se com o regredir a um silêncio sensato que acaba por ser exame de consciência acerca do que somos, demos ou ainda poderemos oferecer com generosidade à vida pessoal e à comunidade.

Ninguém se atreverá a pôr limites à Sabedoria do Criador que a todos nos destinou uma tarefa árdua em vários sectores, mas tornada mais suave quando da aceitação individual, não fatídica, mas compensatória para a nossa personalidade na humildade.

Todo este modo de ponderar e pesar a existência se deve a uma interrogação que me dirigem várias pessoas em tempos e lugares frequentes e bem determinados.

Ao olharem para mim, julgando a minha idade e capacidades, nem sempre as mais positivas, é certo, lançam-me a pergunta de curiosidade, admiração ou admoestação repulsiva: «ainda está no activo?»

Fico, de alguma forma, embaraçado ou quase, mas respondo com muita satisfação e naturalidade: «claro que estou e estarei ainda, enquanto o Senhor mo permita e alguém precise de mim».

Por essa razão, continuo a reflectir sobre o termo “ainda”, tão minúsculo, mas cheio de sentido e intencionalidade.

Para ser mais seguro e não dizer que descobri os princípios da pólvora seca, recorri ao meu velho e amigo Dicionário na busca de um conceito mais adequado e preciso e não vaguear, ao acaso, em quaisquer ondas revoltas. Pouco adiantou, mas aceito alguns dos significados aí encontrados, a saber: – “até agora”, “até então”, “novamente”, “além de”, “afinal”, “ao menos”, “algum dia”, “no futuro”…

Ora, mas eu prefiro “ouvir” a voz do povo que emprega o vocábulo nos mais vastos âmbitos da conversação e finalidade, como por exemplo: – frustração (ainda não desistiu da maldade); suspeita inquieta (ainda não chegou o tempo?); ameaça (ainda levas na cara, se…); dúvida ou reprimenda (ainda não acabaste o trabalho?); aviso (ainda vais cair e perder tudo); aborrecimento (ainda continuas com o mesmo modo de pensar?); desilusão (ainda não estás maduro e pronto para isto…); chamada de atenção (ainda não viram o que está a acontecer?); enfado (ainda continua na mesma e nunca mais acaba…); futurismo (ainda vai ser pessoa importante…); desculpa (ainda não fiz porque não tive tempo e não disseram o que queriam).

Outras milhentas noções podem ser aduzidas como complemento a estas cinco letras juntas que creio serem de grande valia e alcance reflexivo para nós os humanos que pomos limites e condições ameaçadoras, como também de bons vaticínios às vicissitudes das palavras se nos debruçarmos sobre a profundidade do realismo universal.
Cada um nasce com uma missão específica determinada à qual não podemos colocar restrições ou condições despropositadas. Apenas tudo obrigará cada qual a discernir quanto lhe incumbe construir no seio da sociedade a que pertencemos.

Quando me perguntarem, de novo, se “ainda” estou no activo, terei somente de afirmar que o Deus da Vida me avisa que, independentemente de alguma compleição física e equilíbrio mental, “ainda” não fiz tudo quanto estava na minha agenda de trabalho, mas que também “ainda” confio e espero na Sua bondade.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor