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Manuel Armando

Padre

Ameaças sobre ameaças

Tento olhar para todos os lados com segurança e calma. Todavia, se de um sítio sopra o vento, do outro cai a tempestade. Parece que nem já uma consciência tranquila é suficiente para se enfrentarem as dificuldades que surgem de todas as bandas e quadrantes, semeando uma incerteza sobre o que pode fazer-se ou não.

Mas também isso se afigura ser uma praxe que a todos acompanha desde a mais tenra idade.
Lembro – deve suceder comummente a todos – os tempos de infância e adolescência em que se ouvia o estribilho usual: «se te portas menos bem, se não estudas, se não obedeces, se há queixas de alguém a quem não respeitaste, se há protesto da professora, etc., etc., já sabes que “abocas”».

A vida vai-se, agora, desenrolando para toda a gente e, em variadas circunstâncias, vamos deparando com as ameaças dos mais diferentes matizes.

A temperatura ameaça descer ou subir e o clima ameaça borrasca. Os rios ameaçam transbordar e há que estar com a atenção devida para não haver surpresas. As sementeiras ameaçam ficar infrutíferas porque as inundações ou as secas prolongadas não param de acontecer. A carestia de bens essenciais ameaça com comboios de miséria e fome, se não há apoio dos que têm na mão os meios de ajuda conveniente, mas teimam em retardá-la ou recusá-la.

Os locais e instrumentos de cultura e educação ameaçam fechar portas, se determinadas exigências, justas ou injustas, não forem ouvidas e satisfeitas.
Viagens ou férias para quem as faz estão ameaçadas pelas greves e reivindicações frequentes.

A saúde acha-se ameaçada por falta de mão-de-obra, de instrumentos próprios e adequados ou salários compensatórios.

A política está ameaçada nos seus fundamentos e objectivos porque, em vez de conversações, desferem-se ataques recíprocos entre mentores e apaniguados sequazes de quaisquer frentes.

O teor de vida ameaça desmoronar-se a passos largos porque o preço de todos os bens essenciais sobe, sem tino nem aviso. A agricultura está ameaçada de morte porque a valia do que se colhe não cobre quanto se gastou na mesma.

O valor da família, das Instituições, das Oficinas, Agremiações e outros, ameaçado nos seus alicerces de honradez e metas a atingir, vai enfraquecendo e parece caminhar para a nulidade porque há quem, não ameaçando, escava maliciosamente as suas raízes que secarão numa velocidade ultrassónica.

Ameaçam-nos com agravamentos desmesurados de rendas de casa, ou, se passam umas poucas horas sobre a data de algum pagamento, com cortes totais da luz, da água, do telefone e de outros bens quejandos.

Ameaçam-se idosos com internamento, se deixam cair migalhas ou comida no chão.
O pecado institucionalizado e nacionalizado ameaça a paz, a serenidade ou o progresso das comunidades.

As multas severas para alguns procedimentos são fulminantes raios ameaçadores que caem, muitas vezes, sobre as cabeças que foram já degoladas, há muito.

Poderíamos continuar a elencar muitíssimas mais fontes e causas de ameaças. Cada um, porém, nem precisa de usar a sua sebenta de apontamentos porque a amargura onde submerge é já uma fatídica e constante ameaça que obriga a perguntar em quem ou em quê confiar com sossego e na esperança de melhores dias.

Texto escrito ao abrigo do anterior Acordo Ortográfico,
por vontade expressa do autor