Assinar

Manuel Armando

Padre

“Cada cavadela, cada minhoca”

É um dito mais ou menos popular e entra muitas vezes no meu íntimo porquanto me faz reviver outros tempos em que o ouvi com alguma frequência para meu aborrecimento e, sobremaneira, para minha vergonha.

Explico-me. Tal expressão era repetida frequentemente por um meu professor, por sinal bem competente na matéria que ministrava e sem papas na língua, isto é, dizia frontalmente a nós, alunos, o que achava conveniente no momento para nos chamar à atenção sobre a necessidade de mais estudo, concentração, juizinho e tudo quanto pudesse prender-se com o nosso crescimento pessoal moral, cultural, psíquico, anímico. Entretanto, ríamo-nos um pouco disso, mas estamos gratos porque sempre nos ajudou a ter outras atitudes eficientes e produtivas para basear na honestidade o caminho que desejávamos fazer.

Então, quando as nossas respostas, escritas ou faladas, durante as aulas, mostravam o nosso pouco ou nenhum empenho na preparação das mesmas e saíam verdadeiras burrices, logo o dito professor se nos dirigia com “cada cavadela, cada minhoca”, que significava a necessidade de mudarmos o comportamento académico ou aquele lugar não servia para nós. Precisávamos, portanto, de estudar a sério para enfrentar a vida com saber e prudência e não seria muito difícil perceber que, se não preparássemos as lições, o chumbo caía, ridículo, certeiro e mortal. Por conseguinte, nada de aventuras aéreas e mal precatadas.

Daí que, certamente, cada um de nós procurará, no presente, acertar os passos da vida ou trabalho e sociabilidade para não desabarmos no destempero de não atinarmos com as posições assumidas, diante de uma sociedade atenta, crítica e acerba que dá logo parecer desfavorável diante de quaisquer propostas, tornadas realidade e dirigidas ao uso ou vida de todos.

Os erros, é certo, são um apêndice natural da pessoa humana, como ainda dos grupos organizados que até trabalham em prol do bem colectivo – ou deviam trabalhar. Mesmo atendendo a isso, no que diz respeito a determinadas tarefas, nem todos os indivíduos poderão estar habilitados, por variadíssimas razões sérias. Podem desconhecer o sector para onde são chamadas ou se candidatam e, a acontecer, deveriam, de imediato e com hombridade, dizer não ao lugar. Porque as incumbências sugeridas são importantes, exige-se aos candidatos analisarem os seus comportamentos anteriores pois é possível que surjam antecedentes que não se coadunem com o que vão passar a desempenhar. Aqui, a consciência séria e tranquila tem um papel fundamental. Pois, na verdade, lá diz o Evangelho – para quem o segue e nele acredita – «Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito. Se, pois, não fostes fiéis no que toca ao dinheiro desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? E, se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso»? (Lc.16/10-12).

Ora, ninguém irá ousar, supomos e alvitramos, desempenhar algo de importante na sociedade, se sabe que tem o “rabo trilhado” em falcatruas, desfalques, contrabandos, poderes de influência, negociatas obscuras, compadrio, quer dizer, e resumindo, quem se abriga debaixo de telhados de vidro reluzente, mas frágil.

Há olhos sempre atentos de gente que conhece bem os esconderijos e os meandros mais recônditos desta sociedade ladina e felina.

E quem, conhecendo, admite quaisquer destas circunstâncias negativas é conivente e também não está apto a gerir nada, até, e sobretudo, um Governo seja de qual for o país.

Confrangem as notícias esclarecedoras, em todos os dias. Logo que acordamos, deparamos com as novidades sobre alguém das altas esferas de ministérios, secretariados, administrações, autarquias e sei lá quantos outros furos a atropelarem-se por ocupar cadeiras muito afins àquelas em que, anteriormente, chafurdaram num misto de podridão e desaforo.

Convenhamos, como conclusão pensada, que o dinheiro gasto em indemnizações forçadas vai escassear nas famílias e isso causa fome, injustiça, desagrado e, quiçá, revolta.

Por esse motivo nunca nada nos obrigará a parar na rua e aclamar quem, presidindo ou segurando os estandartes, integra a procissão.

Razão bastante e suficiente assistia o meu professor de Latim para nos acautelar sobre as nossas teimosias bacocas e asnices, envergonhando-nos com “cada cavadela, cada minhoca”.