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Manuel Armando

Padre

Com memória e sem vaidade

Curioso! Quando procurava destralhar alguns cantos do escritório não muito frequentados, deparei com pormenores vários que, hoje, me fazem rever o que quase havia esquecido, levando-me a alguma análise da vida passada, quando na busca de uma realização pessoal que, entretanto, adquiriu alcance comunitário de uma forma natural e sem apego à fama que é fumo, depressa, desvanecido.

Neste trabalho de arrumação e limpeza, lá fui parar ao recanto onde estão guardadas as agendas pessoais de cada ano, devidamente catalogadas. São cinquenta, desde 1973. Não tenho escrito nelas quaisquer comentários nem segredos porque esses estão imaginados naquelas páginas como sendo simplesmente a satisfação e entusiasmo por tudo quanto aconteceu desde que comecei a aparecer mais em público numa revelação jamais alguma vez pensada.

E, então, que “dizem” as agendas?

Faço, trazendo à memória, um pequeno apanhado na senda da arte.

Enveredei, por um mero acaso, pelos corredores das salas de teatro e entrei nos palcos, concorri, por três vezes em concursos internacionais , onde consegui sucesso, subi aos tablados nas festas, arraiais e romarias populares, abriram-se-me portas nas escolas e salas de convívio de muitas empresas, participei em comemorações de diversos aniversários familiares ou associativos, pisei variadíssimos sítios adaptados de modo interessante a espectáculos de todo o feitio, viajei inúmeras vezes na direcção de diferentes países – Alemanha, Suíça, Canadá, Estados Unidos da América do Norte, desde Nova York à Califórnia, e outros – e representei por duas vezes os artistas portugueses, no dia de Portugal, convivi em eventos festivos com as gentes da Madeira e Açores, cruzei-me e fiz amizade com artistas, cantores, actores e actrizes, técnicos de som e luz, locutores da Rádio e da Televisão, participei em diversos programas concretos e directos nos vários canais televisivos, entrei em entrevistas nas quais fui interrogado sobre a minha missão de vocação misturada com os exercícios artísticos.

Também as agendas me informam sobre quanto recebi como cachet, durante estes anos todos, em troca da prestação dos serviços – não fiquei rico – e, ainda, os cinquenta por cento de actuações feitas gratuitamente, auxiliando Agremiações ou Instituições de acolhimento a crianças carenciadas ou idosos e nalgumas cadeias e Quartéis militares.

O que me apraz lembrar será uma espécie de história que se descreve a si mesma e a que, muitas vezes, não oferecemos atenção nem apreço, perdendo assim momentos prestimosos de enriquecimento interior e humano.

Muito mais poderia e deveria trazer à memória e deixar testemunhado, sem qualquer jeito de presunção.

E, por isto tudo, agora aceito com verdade e sem vaidade que todos somos dotados de grandes dons, porque instrumentos da vontade de Alguém que nos incumbe de grandes e importantes tarefas. Esta realidade nós a ignoramos quando, numa falha de consciencialização sobre a riqueza que trazemos em nós, esquecemos que não somos donos nem criadores do mundo, mas apenas pobres administradores de alguma coisa que nos foi confiada para nela fazermos mudanças em prol de momentos mais felizes na vida exigente da sociedade.

Quantos bens desaproveitamos, porquanto não buscamos um patamar superior que proteja o crescimento de um Universo de paz, com a noção serena do dever cumprido.

Olhar para trás, reviver e testemunhar o passado é reassumir a consciência da importância do que fomos e tivemos para formular uma atitude sincera de gratidão a Deus pelo que ainda somos agora e preparar sempre o futuro que acende por cima de todos um facho de alegria, pois na vida nem tudo deverá considerar-se perdido.