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Manuel Armando

Padre

Contrastes

A vida dos indivíduos e das comunidades virou a uma dúvida permanente. Parece que, nestes dias actuais, não existem certezas de nada nem das atitudes humanas, tão assoladas que são por constantes mutações.

Em tempos idos, quase tudo se previa com algum rigor de acerto. Porém, as nossas mãos vão estragando o ordenamento dos tempos e dos ciclos, como também das vontades, consciências e comportamentos.

Quando o desrespeito pelas virtudes toma as rédeas do modo de proceder das pessoas, a própria Natureza faz sentir a sua dor, tornando-a quase raiva destruidora de bens e vidas. E ninguém há que possa impedir de ela agir assim.

Observamos, por exemplo, o desenrolar das estações atmosféricas do ano. O calor abrasa quando se esperava chuva; o frio convida cada um a encasacar-se, num tempo que se supunha tépido ou mesmo quente; chove em épocas de descanso e praia; venta, com tudo a ser varrido pelos ares, nos períodos de suposta calmaria; no pino do Verão, poderão acontecer enxurradas monumentais, enquanto se experimentam invernos secos, a dificultar os hábitos de uma labuta programada.

Tudo isto sucede contra o poder dos homens que têm mesmo de admitir a sua incapacidade nos variados sectores da existência. Muito pelo contrário, deverão assumir a gravidade das suas ofensas e agressões contra a mãe Natureza.

Mas, esta metamorfose testemunhada sucede também nos âmbitos diversos da sociedade que se transforma a ela mesma, frequentes vezes, recuando – parece – a tempos de barbárie e de incivilização (ou civilização natural primitiva).

Dizia meu pai: «o mundo anda todo de patas para o ar; corre tudo às avessas».

Pensando bem, ele tinha razão ainda que o enunciado não lhe pertencesse. Quando eu era pequenito desconhecia o alcance de tal asserção. Hoje, todavia, encaixou-se-me na caixa encefálica e começo a olhar isso pelo prisma da actualidade.

Ora, prestemos atenção às muitas transformações desta sociedade e fixemo-nos, por exemplo, na instituição-família, onde os seus valores específicos vão rareando, de maneira abrupta e assustadora. Com o abandono do agregado, os seus usos e costumes somem-se inexoravelmente.

As uniões, que se imaginavam estáveis e frutuosas, cederam lugar às aberrações de um tempo desenfreadamente hedonista e oco.

Nos grupos, ditos civilizados, rasgam-se acordos e promessas francas, com inqualificável despudor e ao sabor de manifestações momentâneas ou circunstanciais de alguns condutores, sociais e políticos, mentecaptos.

E, nisto tudo, nada há que espantar, porquanto as Escolas deixaram de apontar os alicerces, onde deveriam assentar as construções sociológicas e morais.

Hoje, há quem se revista dos seus fatos domingueiros para arrancar eucaliptos e plantar carvalhos e choupos, como também quem se apresente de “jeans”, camisa aberta, sem gravata nem casaco, para recepções políticas ou diplomáticas.

Em tempos que passaram, eram admiráveis as famílias numerosas; hoje, o Estado paga para se matar a vida.

No princípio, o Criador, olhando tudo quanto havia feito, comprazeu-se na Sua obra e viu que tudo era bom (Gén.1/31).

Mas os humanos contrariaram e continuam, agora, a contrariar essa beleza e harmonia.

São os contrastes de uma humanidade que, abusando dos seus dotes, é minada no mais íntimo e enfraquece em valores do espírito, caindo repentinamente no charco da insensatez e da destruição.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor