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Manuel Armando

Padre

Desejos do ser Eternamente insatisfeito

Talvez não sejamos capazes de definir, sem mais, o que significa um desejo em toda a sua profundidade e dimensão. Contudo, é verdade que qualquer de nós o sente sob as mais variadas manifestações morais e físicas.

Antes de tudo, concordemos que ele nos leva à conclusão da consciência de uma certa irrealização da mente e vontade que sabem querer abarcar em si muitas coisas, mas pouco ou nada possuem.

Perguntaremos a nós mesmos e à outra gente se será legítimo assumir ou fomentar o desejo. Decerto que a ninguém é vedado senti-lo e procurar realizá-lo, desde que seja justo o seu papel na reanimação do Homem, tornando-o mais humano e consciencioso naquilo que pretende fazer ou atingir.

Nós quase aparecemos embrulhados no desejo, desde a própria concepção e nascimento. Não faltou quem, nesses momentos, desejasse que a nossa vinda ao mundo fosse uma entrada sem embaraços e a vida futura se tornasse muito feliz.

Ao longo da idade, experimentamos ou ouvimos referir as inúmeras espécies de desejos, pessoais ou comunitários, familiares e amigos, materiais, morais, espirituais, sensuais, intelectivos, políticos, partidários, sociais, desportivos, bélicos, de paz e justiça, económicos e de ganâncias de dinheiro e outros, de saúde e bem-estar, felicidade, união, respeito, de êxitos académicos, saúde e vida farta, longa e feliz, de boa carreira profissional com resultados satisfatórios de qualidade, união e fraternidade, trabalho e segurança, aprazadas animações e diversões, alegres viagens, chegadas e regressos óptimos, a posse de propriedades, casa, carro, dinheiro e comodidades – ufa! já cansa tanto desejo e nem vale a pena continuar a elencar quanto o ser humano tem na ideia para desejar. Não se confunda, porém, o desejo com o outro conceito muito semelhante e, frequentes vezes, até diluídos um no outro como acontece no caso do chamado voto.

Todos tentamos afanosamente realizar alguns complementos da vida, pois saberemos descobrir a verdadeira informação da nossa pequenez, não nos sendo concedido nunca agarrar o que tencionaríamos ser. O conhecimento existencial de uma tal insuficiência deverá levar-nos a trabalhar para conseguir que muitos dos nossos desejos se concretizem. À maioria deles, chegaremos com tenacidade e esforço, mas outros ficarão somente numa perspectiva que não será, em tempo nenhum, alcançada, pois não nos vamos arvorar como senhores do mundo ou mesmo donos de nós em particular. Continuaremos sempre dependentes de uma profusão de coisas, pessoas e circunstâncias, sendo que para se lograr algo daquilo por que lutamos deve ser subentendida a colaboração pessoal, amistosa e séria, numa sociedade que, em determinadas ocasiões, se torna desconhecida por causa da ganância e cobiça de grandes indivíduos.

Começamos, logo desde criança, a formular intentos de concretização dos desejos, certas vezes, exteriorizados nas birras que, aliás, se estendem a uma vida adulta.

Os desejos, alguns, podem parecer distintos daqueles que os nossos avoengos sentiram. Todavia, sê-lo-ão apenas virtualmente, pois o íntimo universal de quaisquer entidades descobre as mil e uma formas da sua mesquinhez, quando almeja chegar ao cume da sociedade.

Oxalá todos saibamos aceitar corrigir o nosso modo de ver as realidades com humildade e na certeza que continuaremos, até ao fim, insatisfeitos porque queremos sempre ser ou ter mais, sem mostrarmos capacidade para tal.

Não é mau desejar constantemente o melhor, em nós e nos outros que caminham connosco e pisam o mesmo rumo, mas é preciso criar-se a esperança de que os desejos nos completem e levem a tomar a aceitação resignada dos limites humanos. Então, sim, os desejos serão princípios que facilitarão aos homens perceberem e conviverem com a sua eterna insatisfação.