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Jorge de Almeida Castro

Administrador do Colégio Instituto Duarte de Lemos

E se fosse bom fugir para a Escola?

O Carlos é um rapaz com 15 anos, que frequentou este ano, pela terceira vez, o oitavo ano de escolaridade. É o filho do meio de um casal que andou na escola até à quarta classe e que pouco mais sabe do que ler e escrever. Têm o seu sustento no ordenado baixo que cada um recebe na fábrica de ferragens onde trabalham, a que juntam as poupanças conseguidas com as coisitas que amanham na horta ao lado de casa.

Estes pais raramente se deslocaram à escola, apenas lá foram para tratar de assuntos relacionados com a atribuição dos subsídios que muito os tem ajudado a ter as suas coisinhas, como dizem.

O Carlos tem muitas dificuldades em concentrar-se no trabalho que os professores pedem à turma. Muitas vezes não presta atenção ao que lhe é dito e tem muitas dificuldades em realizar o sem número de tarefas escolares que lhe são pedidas para casa. Não é um aluno perturbador, sendo até bastante solícito e respeitador dos colegas, dos professores e de todos aqueles com quem convive na escola. E entusiasma-se muito por sentir-se útil, como quando colabora com o professor de educação física na arrumação do ginásio e dos materiais e equipamentos utilizados. Surpreende pela diferença em relação aos seus colegas ditos indisciplinados.

Sobre o Carlos, os professores escreveram no final do ano que tem particular dificuldade na leitura e na escrita. No cálculo e na matemática tem sobretudo dificuldades na realização dos problemas, nos quais diz não conseguir concentrar-se. Ao longo do ano recebeu os apoios possíveis na escola. A maior parte das vezes, mais apoios do mesmo: aulas e mais aulas de apoio ao estudo com os mesmos professores que, mecanicamente, em conselhos de turma, descrevem os pormenores do insucesso do Carlos.

Esta é uma parte da história escolar do repetente Carlos que este ano se verá obrigado a mudar de escola, porque a sua diretora de turma lhe sugeriu uma escola diferente.

O Filipe é um outro jovem. Tem também 16 anos e frequentou este ano, também pela terceira vez, o oitavo ano de escolaridade.

Nascido no seio de uma família pobre e instável, em que o pai, alcoólico, não foi capaz de ajudar a mãe a educar os cinco filhos do casal, o Filipe foi adotado aos três anos de idade por uma família abastada duma terra vizinha.

Integrado numa família sem quaisquer necessidades financeiras, cedo o Filipe revelou grande habilidade para as áreas práticas, ajudando o pai e a mãe adotivos nas lidas da casa e no comércio que sustentava as larguezas da família. Integrou-se perfeitamente na sua nova família e interagia bem com os outros três filhos da família, um deles precisamente a sua idade.

Até aos 12 anos de idade, percorreu a escolaridade do 1º e 2º ciclos e nada de anormal revelou em termos de aprendizagem. O facto de ter repetido por duas vezes o oitavo ano de escolaridade não se deve a quaisquer dificuldades na aprendizagem. Neste capítulo todos os professores referem que o Filipe tem capacidades normais. Nalgumas áreas, até acima da média. O problema – dizem os professores –, é a desmotivação e o desinteresse em aprender, em andar na escola.

A desatenção é permanente, as provocações a colegas e professores são constantes. Nos últimos dois anos os desacatos (e por vezes a violência) têm sido tantos que os conselhos disciplinares na escola sucederam-se, as suspensões repetiram-se e as expulsões foram inevitáveis.

A família tem pedido ajuda dentro e fora da escola. De ambas as partes todos dizem pouco ou nada mais poder fazer. A Escola afirmou no final do ano ter já desistido, que não aguentava mais. Os professores, em conselho de turma, foram unânimes em encaminhá-lo para uma escola que dizem ser especial para especiais.

Muito provavelmente, o Carlos e o Filipe estarão no próximo ano juntos na mesma nova escola que alguns chamam de especial.

Estas duas histórias de vida e de insucessos são diferentes nas causas. Mas só nas causas, já que os efeitos foram os mesmos: ambos fugiram da escola que lhe deram.

A questão é afinal a mesma de sempre: os alunos não aprendem como a escola os ensina; a escola não ensina como os alunos conseguem aprender.