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Manuel Armando

Padre

Etc, etc… saber ou ignorância?

No meu tempo de estudante, alguns dos professores, quando reviam provas de aferição ao saber de cada um, ou nos exames finais, sempre iam afirmando que os “etc, etc” eram prova de ignorância atrevida. É que escrevíamos o que tínhamos “colado” na memória com cuspe e rematávamos os temas com o tal termo e o professor, se era bom na matéria, imaginasse, depois, o resto.

Ora já na Escola Primária, a Professora nos havia ensinado o verdadeiro significado e sentido das três letrinhas que, em tão pouco espaço, faziam supor tantas coisas – as que sabíamos e as que eram parte integrante do nosso imaginário de ignorância e, esta, como resultado de cabulice.

Agora, empregamos, muitas vezes, tal expressão, reduzida para não nos alongarmos nas conversas que até poderão não ter um interesse, por aí além.

Também alguém irá pensar que a mesma emprestará maior ênfase a qualquer discurso, escrito ou falado. Realmente, o escrito economizará papel e tinta, enquanto o falado dará grande alívio aos ouvidos dos presentes que, assim, não padecem com as grandes tiradas de sabedoria, tantas ocasiões, balofas e concatenadas em pastiches virulentos e escusados.

“Et cetera” (vocábulo latino também escrito sob a forma de “et caetera” ou “et coetera”) todos sabem, é modo de prolongar o produto que se iniciou a enumerar para referir as coisas restantes.

Todos conhecem o dito e, certamente, muitos também o empregarão com determinada frequência. Eu próprio não me coloco fora do número dos seus utilizadores.

Mas não me preocupo pelas inúmeras oportunidades de escrever ou pronunciar a citada abreviatura, mesmo acarretando sobre a minha pessoa a ideia de carência intelectual ou desconhecimentos sobre variadíssimos assuntos práticos e concretos. Isso, na verdade, não me assusta.

O que deve fazer tremer ou abanar o meu ego – corpo e alma – são os factos na área da acção.
As famigeradas omissões, em diversas e numerosas circunstâncias, serão o nosso maior pecado, porque deixamos o mundo e a sociedade mais empobrecidos, porquanto negámos o que lhes deveríamos ter dado.

Para os que acreditamos – e eu acredito – será muito embaraçoso responder a quanto nos vai ser perguntado sobre o que fizemos ou deixámos de fazer. Alegaremos ter produzido montes de coisas – obras de alguma importância e, outrossim, grandes ninharias, sem miolo nem sentido ou qualificação.

Tudo será sujeito a pesagem meticulosa, com a minúcia exigida e justa.
Aí, titubeando, iremos recorrer a todos os “et-cetera” para sermos acreditados não no que levámos a efeito, mas ainda na tentativa de nos escusarmos ou até de nos iludirmos a nós mesmos sobre tudo quanto, pela incúria de um suposto bem-estar, deixámos de recriar.

Sabemos como e qual a obrigação de traduzir a vida em alguma coisa palpável. Todavia, quedamo-nos na imensidão da distância, donde, por inércia, nos recusámos sair.

Ignorância é ausência ou carência de saber e ser, e isso não traz valor às possibilidades que deveriam ter-se tornado actos positivos e produtivos.
Em nada nos libertará, moralmente, usarmos a convicção de que empenhámos as nossas capacidades nisto ou naquilo e mais etc, etc.

Se estes etc, etc não forem preenchidos com vida activa, continuaremos sempre a seguir o caminho, supostamente de progressão, com as mãos e, sobretudo o coração, vazios.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo
ortográfico, por vontade expressa do autor