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Manuel Armando

Padre

Falemos de Paz

Em todos os tempos e lugares se torna forçoso falar acerca da paz. Expressa-se o desejo de poder tê-la, produzindo-a, sente-se a sua falta ou faz-se uma experiência positiva dela, aventam-se meios de a utilizar em ordem a torná-la mais real, lembram-se os acordos entre gentes gradas na política e na sociedade, admite-se a segurança ou as incertezas nos tempos presentes e futuros, realizam-se análises em muitos quadrantes para se aquilatar a capacidade de a promover no progresso efectivo económico, social, moral ou religioso que ela pode provocar e milhentos outros motivos que poderão levar os homens a trazê-la ao discurso diário, a desejar ou trabalhar afincadamente para que sempre e em qualquer sítio ela seja apanágio das comunidades que se empenham no bem-estar e tranquilidade comuns.

Mas qual o modo de entender a verdade nua e crua do estádio da paz?
Vamos começar por consultar as páginas de qualquer Dicionário, elementar ou mais elaborado que seja, onde nos é dada a definição da paz como “tranquilidade pública, cessação de hostilidades globais, sossego, serenidade de espírito…”

Tais asserções aduzidas parecem-me bastante estáticas e num grau elevado, porque presumem uma determinada dose de esperança e não um estado permanente e inerente à grandeza da Criação do Homem, dos animais e das coisas, ela que veio dar cobro ao abismo assente no caos que logo se transformou na maior felicidade possível e continuada.

A liberdade humana, porém, transtornou para sempre tal situação, tornando tarefa árdua a sua consecução efectiva na sequência dos tempos.

Dizer que paz é mera ausência de guerra é muito limitativo. A paz subentende trabalho, esforço e vontade constante de proporcionar a todos os seres o bem-estar completo, desejado e procurado.
Lembramos muitas das afirmações sobre as variadas épocas da História Universal quando, após tempos mais ou menos limpos de polémicas e lutas, foram assinados pactos de paz e as pessoas ou grupos sempre se empenharam em comparecer na rua a aclamar ou saborear o restabelecimento dessa paz.

Mas aqui reside o meu desconforto e pasmo profundo. Que razão leva um povo a vangloriar a paz se olhamos as consequências desastrosas em milhares de famílias ou irmãos da sociedade que sofreram o massacre, a mutilação, o exílio ou o extermínio, durante os tempos drásticos e sangrentos de qualquer guerra que é sempre injusta?

Fica, sobre a terra queimada e fria, a morte. E, assim, esta é sempre uma desgraçada derrota, ausência, enfraquecimento e caminho para o nada.

Sejamos coerentes com a verdade. A paz não será, pois, apenas a ausência de guerra.
Não nos deveremos considerar felizes e tranquilos se encaramos a realidade, mesmo observada pelo prisma pessoal limitado, para não dizer estrábico, através do qual desejamos abraçar o mundo inteiro.

Que pensar do incontável número de vidas, inocentes ou culpadas, ceifadas pelas foices bélicas como o são os tanques, as metralhadoras, os mísseis e outras poderosas e sacrílegas armas? E das famílias truncadas, e das habitações arrasadas, e das crianças lançadas ao abandono ou orfandade, e dos campos devastados, reduzidos a cinzas, e dos ofícios desactivados nas bases locais de trabalho, e das outras intermináveis consequências demolidoras que fazem alastrar as doenças, a fome, o aniquilamento?

Qual a forma de conciliar o nosso ser com a paz hipotética que não existe?
Restar-nos-á a esperança e a fé na regeneração final, aquela que nos é ditada pela Palavra: – «Vi, então, um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar deixou de existir.
E vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém. Vinha linda como uma noiva que se prepara para ir ao encontro do noivo. E ouvi uma voz forte que vinha do trono:

«Esta é a morada de Deus junto dos homens. Ele habitará com eles e eles serão o seu povo. É este Deus que está com eles. Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos e já não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Tudo isto desapareceu» (Apoc.21/1-4).
Ora, então, tentemos aceitar porque, aí, definitivamente será a Paz.