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Manuel M. Cardoso Leal

Historiador

Governar é preciso

Um Governo capaz de enfrentar as sérias ameaças da pandemia e da crise económica mundial, eis o que o país precisa. Dar boas condições ao próximo Governo do país, eis o que está em causa na próxima eleição nacional. Mas ter boas condições de governo implica ter maioria absoluta no Parlamento, seja de um só partido seja de uma coligação, para não ficar sujeito às coligações negativas ou a ver chumbado o orçamento como aconteceu ao atual Governo.

Por que tem havido em Portugal governos minoritários com uma frequência nada usual na Europa? Comparados com a Europa, temos um sistema estável, em que dois partidos principais, PSD no centro-direita e PS no centro-esquerda, têm alternado no poder sozinhos ou chefiando coligações; e isso deve-se em parte a sermos uma sociedade homogénea, sem as fraturas linguísticas, étnicas, religiosas e outras, que afetam a maioria dos países europeus. Mas se nestes países as sociedades são mais complexas e os sistemas partidários mais fragmentados, também têm mais prática de negociação e de compromisso em coligações governamentais. Outra diferença é que temos em Portugal, mais do que em geral na Europa, uma parte da esquerda ainda muito agarrada à sua génese revolucionária e avessa ao pragmatismo que na direita tem havido para formar vários governos de coligação. Só em 2015, depois do trauma da «troika», é que o PCP e o BE se convenceram a dar, pela primeira vez, apoio parlamentar a um Governo do PS. Mas agora, pelos vistos, resolveram regressar ao passado.

Nem todos os partidos têm cultura de governo. Alguns só fazem o mais fácil, que é reclamar mais benesses e menos impostos, dar ideias para distribuir riqueza, deixando para outros a responsabilidade de assegurar que haja riqueza para distribuir. Ora governar é fazer o trabalho completo: por um lado, definir boas soluções para os problemas e, por outro, encontrar os recursos para as tornar possíveis, sem colocar o país em situação pior do que antes. Isso é que é difícil, pois obriga a fazer escolhas, sabendo que não há recursos para fazer tudo e agradar a todos ao mesmo tempo.

Entre os que integram uma coligação ou um acordo eleitoral, supõe-se que partilhem certos princípios ou regras fundamentais, dentro dos quais possam fazer concessões e assumir compromissos. Foi por aqui que o Governo da «geringonça» caiu, quando o PCP e o BE fizeram exigências para aprovar o orçamento que punham em causa regras básicas: uma anulando o fator de sustentabilidade da Segurança Social; outras (aumento brusco do salário mínimo e alterações da lei laboral) pondo em risco a viabilidade de muitas empresas, a competitividade da nossa economia e até a nossa inserção na União Europeia. Foi como querer romper as «linhas vermelhas» que todo o Governo sério deve respeitar. Mas não são justas tais exigências? Algumas são – desde que não rebentem a máquina de criar a riqueza.

Aos eleitores caberá fazer as suas escolhas. Julgo que para a maioria o mais importante é que se siga um Governo capaz de enfrentar as graves ameaças que pairam sobre o país. E daí talvez resulte uma dinâmica bipolarizadora que atraia voto útil para os partidos principais. Depois, governará aquele que, sozinho ou com outros, formar a necessária maioria parlamentar. No meio da incerteza, quanto à abstenção e aos resultados, vislumbra-se a novidade de um entendimento entre os dois grandes partidos. Não para entrarem ambos no mesmo Governo, o que não seria boa ideia, pois deve haver sempre disponível uma alternativa credível. Mas se eles se entenderem para fazer reformas que melhorem os serviços públicos, aumentem o crescimento económico e promovam a justiça social, isso será o ideal.