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Eduardo Jaques

Colaborador

Memórias: Mudanças [em Vagos] num Abril anunciado

Desabafo amargurado de uma época, que aponta o dedo acusador à fome e à miséria, ao drama da emigração, às escolas e postos médicos que não havia, às estradas e caminhos que foram riscadas do mapa concelhio, à influência das paróquias no seio da comunidade. Um retrato fiel, à «la minute», feito por gente que soube resistir…

Calvão. Silvério Ramos era presidente da Junta, padre José Capela responsável pela paróquia, e os habitantes dependiam, em grande parte, dos «caciques» locais. A EN 109 já existia, tal como a da Parada ao Canto de Calvão (alcatroada); a ligação da Choca a Lombomeão era em macadame, enquanto o acesso à Ponte de Vagos se fazia por caminhos. De Aveiro à Figueira, a carreira do José Maria dos Santos passava duas vezes de manhã, e uma à tarde. Criado em 1969, o Grupo Desportivo de Calvão estava no ativo, tal como a Casa do Povo, fundada em 1973, e o Seminário Menor. Terra de padres e doutores, França, Alemanha e Venezuela integravam a rota da emigração. Alguns optavam pela pesca de bacalhau, nos mares da Gronelândia.

Gafanha da Boa Hora. Terra de grandes latifundiários, como Claudino Costa, Venceslau Pinto, Parrachos, Vaz Silva, Frutuoso e Ferros (Padreca); mestre Silva, como era chamado, tomava conta da floresta.

Funcionavam quatro escolas e havia um padre residente, mas em termos de saúde nem sequer uma farmácia. A arte xávega tornava-se «cartaz turístico» no 25 de Abril, e com a construção da ponte (em 1966) já tinha sido aberta a atual avenida, que entroncava com o bairro residencial, junto ao mar. A agricultura florescia, mas só havia duas ordenhas coletivas; mais tarde seriam nove. Quanto à emigração, o seu «boom» aconteceu na década de 50-60, quando o sonho americano se tornou realidade.
Ouca. A agricultura como principal meio de subsistência da população, e quase todas as casas tinham a sua ordenha particular. O que deu mais vida à freguesia foi o Lar de S. Martinho, que já funcionava naquela altura. Terra natal do último presidente de Câmara, tinha posto médico e algumas das estradas da freguesia estavam bem tratadas. América, Venezuela, Brasil e França eram os principais destinos migratórios.

Ponte de Vagos. No 25 de Abril apenas havia uma casa construída de raiz, com 1º andar. As demais eram do tipo gandarês, feitas de adobes e sem grande aconchego. Quase não havia estradas, um «deserto a sério», a maior parte das famílias emigrara para França e Venezuela. Quem ficou vivia da agricultura tradicional. Passava-se muita fome, e os burriqueiros vendiam pinhas em redor da povoação. Não havia médicos e poucos frequentavam a escola. A freguesia só deu o “salto” quando vieram as remessas dos emigrantes.

Santa Catarina. Povoação das mais pobres do sul do concelho, fazia parte da freguesia de Covão do Lobo, a única com acesso alcatroado a Ouca e Ponte de Vagos. Poucas estradas e alguns caminhos eletrificados, feitas no tempo do Prof. Ernesto Neves. Quanto ao ensino, funcionavam as primárias de Mesas e Santa Catarina. A população vivia essencialmente da agricultura, e era visível o fenómeno da emigração para a França, Estados Unidos e Canadá.

Santo António. Uma única estrada alcatroada, da Quintã à Lomba, com a freguesia a gravitar à volta da igreja e Pe. Creoulo; o salão paroquial era palco de eventos culturais, da responsabilidade da Ação Católica e outros movimentos. Zona rural por excelência, não havia desemprego, e as terras (areias) eram amanhadas pela força dos bois e pelo moliço trazido das Folsas. No entanto, Alemanha e França eram países de emigração, mas para a Venezuela iam famílias inteiras.

Sosa/Boco. A freguesia vivia da agricultura, sendo o leite a principal fonte de receita das populações. Chegavam a sair diariamente do concelho 93.000 litros, destinados à produção. As estradas eram fracas e outras transformadas em caminhos rurais, sem a capacidade que hoje têm. No 25 de Abril, o Dr. Pimentel era o único João Semana da região, que prestava serviço em Sosa e freguesias vizinhas. Depois da sua extração para fazer adobes, a febre das saibreiras começava a despertar entre os empresários do ramo de construção civil, enquanto a emigração se estendia a meia dúzia de países – França, Suíça, Luxemburgo, Canadá, América e Alemanha.

Vagos. Por imperativo da Lei, o Movimento do 25 de Abril fez «cair» a Câmara, presidida por Ernesto Neves. Manuel Frade e Eurico de Matos também faziam parte do Executivo, que divulgou à população, através do Notícias de Vagos, um comunicado a fazer o balanço da sua atividade, e a dar conta do saldo reportado a 15 de junho, no valor de Esc. 4.669.576$60. «Os números são expressivos e reafirmam a atual posição sólida do município. Batida pelo sol da verdade, fica atrás de nós (presidente e vereadores) uma obra democraticamente realizada, sem sentirmos necessidade de proclamar a Democracia, que só se encontra na verdadeira expressão quando brota dos corações das gentes», lia-se no comunicado, que terminava confiando que presidente e vereadores saíam da câmara «de cabeça levantada e com a consciência tranquila de terem ido ao encontro das aspirações de todo o concelho». De referir que uma Comissão Provisória tomou conta dos destinos do município, na sequência do plenário do MDV-Movimento Democrático de Vagos, realizado a 31 de maio. Foram eleitos Duarte Gravato (presidente), João Carlos Fonseca e Manuel Moreira Silva (vogais), que tomaram posse a 19 de junho, tendo entrado de imediato em funções.