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Manuel Armando

Padre

Não deixemos morrer

Sem cedermos a meras lamechices descabidas ou saudosismos estéreis, é bom que evoquemos usos e costumes de há muitos tempos que ultrapassam a nossa idade e a que chamam, com ajustada propriedade, tradições.

A palavra na sua etimologia denuncia bem qual é a riqueza e sentido profundo que encerra. Do verbo latino “trado” vem o útil e benéfico conceito de trazer ou comunicar a outrem algo de bastante importante e que não deve ser desprezado nem votado ao olvido. É qualquer riqueza a ser perenemente preservada e transmitida com plena verdade e fidelidade aos vindouros que, por sua vez, não se permitirão perdê-la, mas irão passá-la-ão aos que estão atrás de si.

Ora as verdadeiras tradições não são as coisas inventadas por grupos recentes à volta de uma ideia sem objectivos concretos e voltados para a frivolidade de actuações humanas que, frequentemente, se manifestam um tanto animalescas, porque desprovidas daquilo que promove o indivíduo ou o grupo.

Há, na verdade, tradições ancestrais que são um manancial de ensinamentos e recuperação de uma dignidade já tão perdida.

Tradição é, pois, a entrega de grandes doutrinações morais, espirituais, sociais e outras que percorrem gerações e nobilitam quem as conserva com o mesmo peso e medida experimentados ao longo da idade dos que se vão seguindo, uns após outros.

Então no povo mais simples e laborioso é que se encontra, talvez, o maior centro de tradições, respeitadas pela vida fora. As gentes das aldeias, por necessidade, amizade, cordialidade e vontade, sempre continuam a manter os acenos de ajuda e cuidado não só pelos seus, mas zelando ainda o bem-estar dos aliados e vizinhos. Nos trabalhos rurais e até nos mais caseiros, há a salientar um espírito de interajuda e partilha insofismáveis.

Tradição será, portanto, tudo quanto se lega, sem reticências ao outro para que, todos juntos, possam colaborar mutuamente com o espírito de alcançar uma existência feliz.

A tradição não muda nem se confunde com as levas de povos que se sucedem no palco da vida. Ela terá de ser sempre um veio de transmissão da verdade no crescimento integral dos homens. É a transportadora permanente e activa de grandes dons e caminhos que hão-de levar à acomodação e renovação dos corações humanos que, em todo o tempo, deverão empenhar-se por tornar o Universo sinceramente um alfobre de paz e desenvolvimento.

A tradição cristã, desde antanho, tomou sobre si certa elevação espiritual e anímica dos indivíduos, confiando-lhes horizontes que, bem experimentados e vividos, atingirão a complementaridade total, fazendo também desvendar o fim último de cada um.

Hoje é muito importante voltar a descobrir a fraternidade e o modo como ela era vivida nas primeiras comunidades de cristãos.

Não dando importância a alguns modos de “tradição” que, nesta nossa época, se tentam inventar, procure-se redescobrir tudo quanto os nossos antepassados nos ensinaram, gerações atrás de gerações, levados a construir continuamente uma sociedade de bem.

A gente nova deverá ser industriada na descoberta e vivência das verdadeiras tradições, aglutinadoras de mentes sadias, levando em frente aquilo que embala a sentimentalidade e convida a uma vida de fraternidade pura entre pessoas.

Estou a ver, por um acaso, a reprodução de uma serenata estudantil universitária. Tangem violas e guitarras, vibram vozes naturais com arte, sentimento e virtuosismo. Tremem sensibilidades e marejam-se os olhos com lágrimas. É uma tradição de juventude que se prolongará ao longo da vida de muitos porquanto criaram raízes de hombridade e estreitaram laços de amizade inapagáveis.

Não se deixem, nunca, morrer as tradições, sim, mas aquelas tradições que incitam os homens a serem HOMENS.