Assine já

Carlos Vinhal Silva

Anadiense

O ciclo sem fim dos disparates

Como civilização, não somos propriamente alheios aos disparates ideológicos que, de tempos a tempos, surgem. Apesar de gostarmos de dizer, de peito cheio e cabeça erguida, que aprendemos com os erros do passado, a verdade não é essa, porque cometemos os mesmos erros, apenas de uma forma diferente.

Tomemos como exemplo os livros: no passado eram queimados por serem contra o status quo, hoje são escondidos e modificados para não ferir a suscetibilidade dos leitores mais sensíveis. Ora, apesar deste paralelismo claro, existe uma evidência que permite a sua distinção: o apoio popular e político que, ao dia de hoje, um recebe e o outro não.

Durante os tempos negros da Inquisição eclesial, muitos livros foram queimados e destruídos por conterem heresias e levarem as pessoas ao pecado; o mesmo aconteceu durante a era fascista e nazi e leninista-stalinista, e mesmo durante a Guerra Fria, desta feita por haver livros que faziam a apologia de ideologias proibidas ou opostas à vigente. E tudo isto constituía um claro ataque às liberdades ideológica, de religião e de expressão, visto que era um claro esforço para suprimir qualquer divergência.

Hoje, os livros não são queimados, mas o princípio mantém-se: destrói-se para eliminar desacordos e dissentimentos, para que os valores proclamados sejam universalmente considerados e não haja nada que vá contra os mesmos: tudo pelo Estado e nada contra o Estado, dizia-se outrora algo semelhante.

Seja pela alteração ou pela remoção de passagens, o espírito da censura adensa-se em nome de uma ideologia que se diz politicamente correta. Mas o politicamente correto não passa de uma convenção social profundamente questionável e passageira, porque os valores também mudam e, portanto, as ideologias adaptam-se. O politicamente correto do presente será errado no futuro, como aquilo que no passado era aceitável hoje é profundamente repreensível. Acresce que esta cultura presente profundamente disparatada tampouco é benéfica. Numa sociedade que diz que quer dar voz a quem não a teve durante demasiado tempo, estas práticas invisibilizam esses mesmos indivíduos e grupos, condenando-os a ser, uma vez mais, uma nota de rodapé sem qualquer característica que os unifique.

Muitos livros já foram vítimas de censura, apenas porque fazem referência a características físicas que distinguem e que permitem imaginar o cenário e o contexto em que se desenrola a ação. Muitos livros já foram vítimas de censura, porque os chamados leitores de sensibilidade não foram capazes de compreender a ironia patente no texto. Muitos livros já foram vítimas de censura porque a ignorância imperou sobre o bom senso. E muitos mais livros serão vítimas de censura por qualquer motivo dúbio e néscio que ainda não conhecemos.

A prática de censura agravou-se, porque é disfarçada de uma falsa benignidade. Quanto a nós, preferimos que se voltem às práticas do passado onde não se dissimulam intenções; onde se proíbe ou queima totalmente o escrito, ao invés de o alterar para que digam coisas que a voz do autor nunca pretendeu dizer.