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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

O discurso foi em português!

A forma como parte significativa do “comentariado” analisou o discurso do novo Primeiro-Ministro deixou-me perplexo. Acusações de arrogância. De que Montenegro entrou ao ataque. Queimou pontes. Falou demais. Falou de menos.
Não é preciso um doutoramento em ciência política. Basta ler o que disse. O discurso foi em português!

Vou citar.
“Vamos estar concentrados em cumprir o nosso programa”.
Então havia de ser o programa do PAN?

Continuando a citar.
“[estabilidade] vai requerer humildade […] espírito patriótico e capacidade de diálogo. Da parte do Governo vamos garantir [isso]. E é isso que se espera também das oposições”.
É a antítese de arrogância.
Outra citação.
“Este Governo está aqui para governar os quatro anos e meio”.
Não é normal? Aliás, sugere mais à frente que nem exige que o Orçamento de Estado seja aprovado.

Agora uma citação um pouco mais longa.
“A investidura parlamentar [em minoria] só pode significar que as oposições vão respeitar o princípio de nos deixarem […] executar o Programa de Governo.
[…] Não rejeitar o Programa do Governo no Parlamento não significa apenas permitir o início da acção governativa. Significa permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à aprovação de uma moção de censura.

Não rejeitar o Programa do Governo com certeza que não significa um cheque em branco, mas também não pode significar um cheque sem cobertura”.
O PS já garantiu que não vota a favor da rejeição do programa de governo. Com isso não está a adoptar o programa de governo, não está a passar um cheque em branco. Mas então, tem de estar disponível para permitir que a AD governe com o seu programa, negociando com “humildade, espírito patriótico e capacidade de diálogo”, não passando um cheque sem cobertura. Isto é queimar pontes? Ou construí-las? Peço ao leitor que releia agora esta última citação. Não faz sentido?

Última citação.
“[O PS] deve ser claro e autêntico quanto à atitude que vai tomar: ser oposição democrática ou ser bloqueio democrático”.
Parece-me um manifesto exagero considerar esta frase um ataque. É uma tentativa de forçar um esclarecimento do PS. O PS não está assim tão fraco.

Três notas finais sobre o discurso do novo PM.
Primeira: o superávit de 2023 não passou para 2024. É preciso esclarecer que, como manda a lei, serviu para amortizar dívida. Montenegro fez muito bem em baixar as expectativas. Não passámos a ser um país rico por causa do superávit. É preciso utilizar os recursos com racionalidade e avançar para as reformas necessárias ao país.

Segunda: gostei de ouvir a menção ao valor estratégico da agricultura. Contribuir para a auto-suficiência possível em bens essenciais e apostar em segmentos de maior valor acrescentado (como o vinho) para exportação, são dois vectores que devem ser vincados.
Terceira: a importância da água para o consumo humano e agrícola. É o elefante na sala, de que ninguém quer falar.

Uma última nota, bem negativa, para o comportamento de Pedro Nuno Santos, não só ao não marcar presença na tomada de posse do governo – mostrando com essa atitude falta de sentido de Estado e querer afastar-se do compromisso da governabilidade, colando-se à extrema-esquerda radical e à esquerda conservadora radical – mas também pela declaração “não pude estar presente, ponto final”. Lamento, mas esta sim, é uma declaração arrogante. Um deputado e líder do maior partido da oposição, não se deve arrogar a querer colocar um “ponto final” num assunto que não lhe convém. Deve, pelo contrário, estar disponível para ser escrutinado no exercício das suas acções e omissões políticas.