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Manuel Armando

Padre

O sabor da importância

Se recordar é viver, então eu quero viver, recordando.

Todos nós temos, decerto, lembranças fundas sobre os mais variados momentos da idade, desde os tenros anos até este tempo presente de existência. Contudo, concordaremos em que os episódios a serem melhor revividos serão os experimentados na nossa meninice, adolescência ou juventude.

Não significa isso que omitimos a frequência de alguns acontecimentos próximos e actuais.

Quero lembrar, por exemplo, um dos primeiros instantes quando comecei a ter a noção de ser importante. É muito curioso e a roçar o ridículo.

Estava eu acabadinho de chegar ao Seminário – tinha onze anos, feitos dias antes – e descobri que, nos intervalos para recreio, alguém dos mais “velhos” tinha a incumbência de fomentar o desporto. Começava com o futebol, distribuindo todos os alunos em duas equipas aguerridas para um jogo conducente à descoberta de amizades e companheirismo. Assim, de imediato, as equipas eram compostas por trinta a quarenta figurantes – “figurões” em bola – de cada lado.

Tu, para aqui, tu, para acolá. Deste modo, o colega, senhor de algum traquejo por ser mais adiantado no curso e na idade, numa dessas andanças incluiu-me na “equipa do Benfica”. Fiquei muito honrado – eu que nada percebia do assunto – e daí a minha fiel admiração pelo clube com esse nome e que dura ainda hoje. Mas o mais importante foi o facto de, com isso, ter experimentado, pela primeira vez, a sensação de ser alguém.

Quanto a pensar-me jogador, quedei-me pelos primeiros tais pontapés e, no tocante a lugares proeminentes na sociedade, nunca ansiei nem trabalhei por tal coisa.

Outra nova etapa foi, já muito adiante e por inerência de missão e local, ser “feito” bombeiro com a honrosa classificação de “bombeiro zero, zero”.

Em determinada ocasião, acompanhei na acção, o respectivo Corpo de Voluntários a um serviço trágico de incêndio. No final e com alguma intimidade e amizade, um dos elementos lançou-me a pergunta: – «como bombeiro, sente a satisfação do desempenho quando vai ou quando regressa cansado?»

Pronta e asnalmente, respondi ser ao ir para o “campo de batalha”. Era, para mim, a chamada para se cumprir um dever. Ele olhou-me com ar de comiseração e alvejou-me com a seta da minha imaturidade e vergonha ao dizer-me: – «pois eu dou-me por feliz, embora triste, quando regresso de qualquer intervenção no campo».

Reflecti e corei. Na verdade, uma pessoa só pode orgulhar-se de si mesmo depois de tomar consciência de uma missão cumprida, seja ela reconhecida ou fique no anonimato.

No decorrer do meu crescimento em idade e experiência, confesso que alcancei alguns sucessos de que não pretendo fazer qualquer alarde, como também fracassei imensas vezes e disso dou testemunho aberto e de expiação.

Tenho sido alvo de bastantes palmas, mas as “palmadas” foram também já mais que muitas e elas é que me fizeram, em diversíssimas casualidades emergentes, crescer.

A própria vida, com as variadas circunstâncias e convivências, se encarrega de ensinar que a importância não são as outras pessoas que no-la dão. Ela adquire-se pela tenacidade de entrega à missão específica e pessoal, cumprida na fidelidade e compromisso elevado, pessoal e sentido.

Não será de estranhar neste mundo que ocupamos e onde impera com grande soberania a rivalidade, a competição desenfreada e animalesca, o egoísmo, a ganância, a inveja e a avareza, não se admira, repito, o caso de cada um ter de trabalhar afincadamente para alcançar uma importância que transmita tranquilidade e ânimo perante a comunidade, mas, sobretudo, frente Àquele que confia na nossa pequenez e nos faz grandes na Sua vontade.

A percepção da missão, seja ela qual for, e o seu cumprimento aturado e adequado é que devem ser a meta do reconhecimento e a bitola do crescimento pessoal, moral, psíquico e progressivo.

Nunca chegaremos aos píncaros para conseguir grande importância, mas havemos de nos congratular por, pelo menos, não sermos considerados inúteis.


Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor