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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

Obrigado (mas) Chega

Se votou Chega, esta crónica é para si.
Obrigado por ter ido votar. Se calhar já não votava há muito tempo, ou foi mesmo a primeira vez que votou. Votou num partido legítimo, com deputados eleitos por voto popular, com todo o direito de o fazer livremente, sem ter de o justificar. Quem lhe disser o contrário, está a mentir.

Provavelmente o Chega chamou à atenção de alguns assuntos que lhe dizem respeito e que os outros partidos parecem esquecer. Ainda bem. Uma das funções dos políticos é ouvir e perceber o que preocupa a população. O Chega é muito bom a identificar problemas.

No entanto, o Chega falha no passo seguinte: acentua o protesto esquecendo a procura de soluções viáveis, exequíveis, razoáveis e eficazes.

É por isso que não é um partido apto para governar ou estar perto da governação (nem vou mencionar a linguagem pouco digna como chamar idiota a Montenegro ou prostituta ao PSD).

Dou exemplos.

É muito maior o nosso problema com a emigração do que com a imigração. Com o aumento da nossa emigração – nomeadamente jovens – há menos contribuintes para pagar as reformas dos pensionistas; há menos mão-de-obra para trabalhar nos escritórios, mas também na agricultura, nas fábricas, nas obras; a capacidade competitiva da economia é menor. Os imigrantes chegam para colmatar estas falhas. São mão-de-obra. São contribuintes fiscais e demográficos. São essenciais hoje e no longo prazo. Em Beja o Chega alcançou o segundo lugar nas eleições porque as suas soluções simples colheram junto de uma parte significativa da população que se sente incomodada com a presença de imigrantes. Mas esse discurso ignora que o principal problema está na clandestinidade, nas redes de tráfico de pessoas, nas condições horríveis em que são obrigados a viver. Ignora que muitas empresas não conseguem funcionar sem esta mão-de-obra em certa parte do ano, mas não têm dinheiro para lhes pagar salário o ano todo. Obrigado Chega por trazer à discussão este tema tornado tabu pela esquerda. Mas a análise está errada e a solução simples não serve para governar.

No outro extremo do mediatismo está a corrupção. Obrigado Chega por não deixar cair o tema no esquecimento, mas as duas propostas sobre corrupção são impraticáveis, uma por falta de eficácia e outra por ser irrazoável.

“Aumentar as penas vai resolver o problema da corrupção”: é uma mensagem forte e atractiva, mas o criminoso nunca pensa nas penas, porque acha que não vai ser apanhado. Se as penas dobrassem, o Ricardo Salgado (alegadamente) não corrompia? O traficante não traficava? O ladrão não roubava?

“Apreender bens de quem desviou dinheiro”: já assim é. O património de João Rendeiro foi confiscado pelo Estado e será leiloado, após decisão de um tribunal. Atenção, do tribunal! Seria irrazoável – e perigoso – se estas decisões voltassem a ser dos políticos.

Na economia, o Chega propõe trazer €89 mil milhões por ano “da economia paralela para a economia nacional”. Ora, a economia paralela é fuga ao fisco. Mas é também prostituição, trafico de droga e de armas. Trazer para a economia nacional significa legalizar estas actividades. Economia paralela são também as couves que produz no seu quintal, para juntar ao bacalhau. Vamos taxar as suas couves? Obrigado Chega por fazer notar que há economia paralela, mas não só o valor apresentado é muito superior ao real, como o seu grosso não é transponível para a economia nacional.

Um populista aproveita faltas de resposta a situações concretas, mas muito particulares de uma parte da população, extremando as queixas e radicalizando as soluções.

Cabe-lhe agora a si fiscalizar a acção e os resultados do voto que atribuiu ao Chega na saúde da nossa democracia, da nossa sociedade e da nossa economia.


Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor