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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

Os Partidos

O grande hype da semana foi o anúncio publicitário do Ikea, que versava “Boa para guardar livros. Ou 75.800€”. De entre as várias reacções a esta campanha, houve uma que me chamou à atenção – a de Luís Paixão Martins, no X: «Eh pá, não sabia que o Chega também vende móveis».

O senior copywriter da Uzina, agência responsável pela campanha do Ikea, é Luís Jorge, que vota Livre e é completamente insuspeito de simpatias pela direita, muito menos pelo Chega. E o LPM sabe disso. Então, o que levou LPM (contratado em Março para consultor de marketing político do PS), na sua conta pessoal, a inventar uma ligação entre um anúncio divertido e o partido que mais votos tem tirado ao centro direita?

Para quem não sabe, LPM é um ex-jornalista e consultor em comunicação.

Foi contratado pelo FCP para limpar a imagem do seu presidente durante o processo Apito Dourado. E pelo presidente do SCP para a sua campanha eleitoral.
Pela campanha do PS de Sócrates em 2005. E para a campanha de Cavaco Silva em 2006.

Andou por campanhas eleitorais em Cabo Verde e Angola até chegar à de António Costa em 2022, onde se tornou “famoso”.

Em resumo, um especialista em comunicação, um outsider da política, um não eleito, que assumiu bastas vezes na nossa democracia, um papel quiçá decisivo no resultado das eleições em que tomou parte activa nos bastidores de quem lhe pagou.

Como é que o nosso sistema político, a democracia liberal, se permitiu chegar a este ponto? Em que a importância da doutrina dos partidos e dos seus quadros, foi substituída por decisivos consultores de imagem e comunicação. Em que o líder – por definição em democracia, temporário – e a sua circunstância pessoal, se sobrepõe à ideia política para o país. Em que os eleitores “votam em pessoas e não em partidos”, como se tal fosse uma evolução do seu pensamento.

Como é que não percebemos que esta transferência do foco político do partido para o líder, associada ao profissionalismo mercenário da comunicação, iria conduzir ao descrédito do centro moderado, com o êxodo dos seus melhores quadros, substituídos por seguidistas medíocres das jotas (resultando mais tarde em líderes impreparados como se vê hoje) e à abertura de espaços políticos para populistas radicais extremistas, primeiro de esquerda – hoje comprimidos na sua irrelevância prática – e recentemente de direita?

Trump, um homem de negócios, olhou para os votantes como consumidores e vendeu uma imagem para ficar com uma quota de mercado dos votos.

Por cá, olha-se para o eleitorado como uma audiência para quem é preciso montar um espectáculo.

Não sei como se dá a volta, mas é urgente que as pessoas tornem a votar em ideias e ideologias, em formas consistentes de ver o país, a sociedade, a economia e o mundo, que tenham sido pensadas e debatidas por pessoas inteligentes, dedicadas e com sentido do bem comum.

Os partidos têm de deixar de ser reféns dos seus líderes, suportados por jotas barulhentos e vazios e por consultores de comunicação a soldo. Têm de se voltar para a sua doutrina, ao serviço do país. Sem medo nem calculismos tácticos avançados pelos advisers.

Respeitarem-se a si próprios, à sua história e ideologia e não menorizar o povo, talvez sejam passos positivos para mostrar que os extremos radicais e populistas não são solução para ninguém – algo com que os consultores não têm de se preocupar.

Sá Carneiro disse: “Primeiro o País, depois o Partido e por fim a circunstância pessoal de cada um”.
O povo percebeu a mensagem. É preciso recuperá-la na prática.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico,
por vontade expressa do seu autor