Hoje quero e vou atrever-me a confessar algo que codifica e molda a minha atitude pessoal diante de factos que, sendo narrados, hão-de fazer parte da História do mundo e também da de cada indivíduo em particular.
Faço-o na esperança de aparecer alguém capaz e com a disposição de me perdoar e absolver de um pecadito.
Aprendi em criança, na catequese, ser um erro capital a ira.
Pois é mesmo desse estado de espírito que espero ser absolvido, embora eu duvide encontrar alguma pessoa apta e com coragem para me libertar de tamanho pesadelo, aduzindo razões que me convençam a escolher caminhos diferentes e me soltem desta amarra inquietante onde se me tolhem as ideias e a vontade.
Desde o começo do medo institucionalizado em todos os continentes, num retiro mais forçado e meditação prolongada, houve tempo para analisar diversos assuntos merecedores da mais viva preocupação. As nossas atenções puderam, durante este tormentoso período, fixar-se em pormenores de problemas graves que pensávamos não serem possíveis nunca no comportamento de homens inteligentes. Todavia, enganamo-nos no dobrar de qualquer esquina ao repararmos que os humanos nem sempre serão os construtores de uma sociedade justa, equilibrada, harmónica e sã. Deixam-se facilmente corromper pelas ambições e cobiças desmesuradas e com as pretensões de serem os mandões e donos de muitos povos e haveres.
Ora, continuemos, a partir dos momentos em que todos fomos metidos em coletes de força, não podendo sair tantas vezes quantas a missão de cada um exigiria, lancei-me numa leitura quase temática e sistemática.
Foram uma vintena de livros e depoimentos vividos, sentidos ainda na lembrança dos tempos amargos que trouxeram a descrição dos maiores sofrimentos e atrocidades de destruição humana.
Refiro-me, concretamente, às duas dezenas desses livros escritos, como testemunho na primeira pessoa, por quem penou os horrores da guerra nos campos de extermínio de Auschwitz-Birkenau, donde saía, como única esperança, a morte.
Li – e continuo a ler – essas narrações das barbaridades, cometidas por homens e mulheres a quem a vida humana dos outros nada significaria, porquanto deixavam extravasar a sua animalidade grotesca, feroz e mortífera.
Ora, aqui está entalado o busílis do meu pecado para o que solicito a absolvição. É que eu experimento um verdadeiro mal-estar, para não dizer raiva, por imaginar que o resto da sociedade andava, na altura, distraído e também porque os ditos grandes senhores, responsáveis pelos negócios internacionais, calaram voluntariamente ou a isso os obrigaram, deixando apodrecer a paz entre a amálgama das cinzas daqueles que sempre foram pessoas.
“Mutatis mutandis”, – não entendo as causas – estamos num mesmo terror de ódio e morte, forjado por um ou mais que aspiram sofregamente por se alcandorarem no topo do poder e do ter, perante tanta passividade e indiferença, embrulhadas em papel de promessas e votos, de quem poderia interferir em conformidade e sem as mãos nos bolsos.
Ouço ou contacto, com ira e desgaste interior, as informações e reportagens sobre o desenrolar catastrófico deste nosso mundo.
Por tal motivo pergunto: – quem, com bom senso, pode e quer absolver-me desta revolta, sonegada mas incómoda, que, num sarcasmo doentio, me invade a alma?!!!