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Manuel Armando

Padre

Senhor Presidente, reclamo uma medalha

Não invejo, de modo nenhum, quem aparece medalhado em virtude dos grandes feitos na sua vida profissional e social ou recebe condecorações e comendas.

Também, valha a verdade, não aspiro a quaisquer coisas dessas.
Admiro quantos treinam, anos e anos a fio, nos vários desportos em todo o mundo, para tentarem atingir o pódio da modalidade praticada. Quando o conseguem, rompem, por vezes, em tão copiosas quão sentidas lágrimas porque se reconhecem intimamente compensados como alvos de uma retribuição depois de tanto interesse mostrado no esforço e no suor. E até tremem de emoção se, porventura, estando empenhados a nível internacional, são embalados pelo seu hino nacional que os introduz num âmbito mais alargado, não se limitando à sua pessoa, exclusivamente.

Continuamos a presenciar um reconhecimento público a militares que cumprem os seus deveres na defesa da paz e da Pátria.
Enfileiram-se alguns grandes empresários que fizeram render as suas capacidades intelectuais e económicas, proporcionando o pão para a boca de muitas famílias.

Escritores, escultores, artistas e outros que, dando largas à sua inspiração, produzem meios capazes de ajudar a consolidar conceitos e opiniões, desenvolvendo a intelectualidade de quem, depois, sabe ou pode ler e testemunhar.

Há políticos, cuja notoriedade lhes advém da sua forma como se colocam ao serviço das comunidades.
Muitos indivíduos não se fecham nunca no seu egoísmo desenfreado, mas oferecem horas, dias, anos, atendendo os mais carenciados e infelizes sem alguma vez pensarem numa futura recompensa ou reconhecimento público.

Nas fábricas e oficinas, quantos exemplos de abnegação, entrega ao trabalho ou atenção pelos pormenores da vida laboral, nós podemos encontrar em homens que suportam, eles mesmos, frequentes vexames e injustiças, exibindo sempre um semblante liso, desanuviado, naquele silêncio pessoal de quem jamais pensou fazer guerra com alguém ou nalgum tempo.

Bastantes pessoas quase exigem para si demonstrações públicas apenas por cumprirem o que lhes é devido e peculiar no emprego e vocação.

Todavia, não compreendo muito bem o porquê de muitos deles serem chamados por quem nos governa para lhes serem proclamados méritos sobre aquilo que, pelo seu mister próprio, deve ser exercido com seriedade, competência e obrigação de melhoria.

Repito que nada me move contra quantos são alvo de certa atenção com os ditos reconhecimentos e galardões.
Lastimo, entretanto, o sentir as raias do ridículo, por injustas que parecem, algumas distinções, assentes no peito de tantos que se fizeram causa de ódios e desigualdades.

O Evangelho – não é descabido citá-lo – faz-nos ver que nós nunca ultrapassamos a nossa competência na missão que cabe a cada um.
«Assim … quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: “somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (Lc.17/10).”

Mas – já me ia a esquecer – tudo isto para um protesto que intento apresentar a quem de direito.
Bem sei que os poderes constituídos não conhecem a realidade toda, mas presumo que aceitam pareceres de quem age com lisura e verdade. Ora, dado que compete naturalmente a todo o insigne Presidente da nação a última palavra na entrega de medalhas, alvitro a condecoração à muita gente anónima que, não possuindo condições adequadas, fizeram, no decorrer dos tempos, algo e muito para levantar o país, nem que tenha sido do tamanho de um simples átomo.

Haveria uma mole imensa a distinguir e as fábricas dificilmente dariam cobro no acabamento de tantos ornamentos.
Já agora, seja-me permitido, Senhor Presidente: – se tais gestos servem para homenagear e realçar actos de heroicidade autêntica, então eu reclamo uma medalha para aquela que, sendo minha mãe, com os parcos e misérrimos recursos familiares, criou os oito filhos, não lhes faltando com a sopinha, onde nadavam as côdeas rapadas da broa.

Na sua pessoa, ouso abraçar os outros milhares e milhares de mulheres que também aguardam, ao menos postumamente, a sua insígnia, não dourada, mas honrosa.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor