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Manuel Armando

Padre

Sorrisos inapagáveis

Gosto de os ver sorrir. O sol, a chuva e o vento, nada os incomoda ou vence. Nem a dúvida receosa entre a vitória e a derrota pessoal como também do grupo faz mossa nos seus rostos, risonhos e felizes por imaginarem sempre uma saída airosa e desafogada perante quaisquer incertezas e ataques.

Encanta-me o facto de observar quanto olham para mim quando passo. As suas caras devoram-me com promessas e convites a deterem-me no caminho.

Ocupo uma via de passagem e lá estão todos, aos magotes, a quererem “indicar-me” o rumo. Nas rotundas, espreitam se vou pela direita ou viro à esquerda. É incrível dar por eles a faiscarem nas esperanças de que alguém confie em tudo quanto dizem ou disseram, tentando fazer esquecer as suas conhecidas omissões e alheamento sobre o bem dos demais, procurando até fazer acreditar que já se redimiram de algumas lacunas pessoais.

Muita vida se baseia caprichosamente na presunção desmedida daqueles indivíduos que fingem lutar, uns ao lado dos outros, mesmo que nunca se tenham juntado para qualquer evento ou realização de utilidade pública. Talvez nem se conhecessem mutuamente antes dos primeiros passos das campanhas programadas, aquando respiraram a ânsia de alcançar um lugar ao sol num mundo da política.

Mas não se limpam armas em tempo de guerra, portanto, interessa agora mostrar na arena popular toda a simpatia tal qual se vê estampada nos cartazes de cores bem vincadas.

Depois, sucedem-se marchas de maldizer, contradizendo esses mesmos sorrisos, pespegados nas paredes a “apregoarem” dias futuros fartos de tudo.

Muito em breve, porém, alguns passarão a ser olhados com desdém por quantos se acharam lesados e traídos pelo desencanto das antevisões vazias sem base segura onde assentasse uma realidade positiva.

Há programas e papéis das caminhadas políticas que vão sendo objecto de remoção, enquanto outros permanecerão por mais tempo e certamente continuarão a servir para próximas campanhas com a vantagem de poupança nos gastos desnecessários, exibindo assim a fisionomia de anos atrás a fazer acreditar que a idade ainda não lhes pesou.

Mas voltando aos sorrisos estampados nas caras conhecidas ou ignoradas, eles parecem copiar outras circunstâncias parecidas numa sociedade de gente engravatada que nos entra portas adentro a oferecer tudo a todos com os rasgados sorrisos que anunciam benesses e melhorias que não chegam nunca aos seus destinatários.

Lembro quem nos bate à porta, com todo o nosso historial, próprio ou de família, bem sabido e no-lo expõe, cara-a-cara, num sorriso aberto e na tentativa de lançar a trama e impingir hipotéticas negociatas.

Tal procedimento pode atingir incautos que gostam de ouvir elogios sem sentido, reforçados no à-vontade quase espontâneo porque já muito calejado na arte de enganar.

Os sorrisos nem sempre serão naturais, pois surgem como simuladores encenados para levar vantagem sobre aquela pessoa que tem os seus interesses colados à sua cerviz na expectativa inocente de dias felizes num futuro desconhecido e incerto.

O sorriso, que deveria ser expressão de felicidade e bom senso, torna-se, em diversos momentos, sinal de sarcasmo e desprezo pelo semelhante. É, por isso, a demonstração de um gozo vil, depreciativo de quem aguarda com jeito e sinceridade uma cumplicidade de honra na gestão do bem comum.

Não aludo aqui aos tons de promoção dos produtos de beleza ou higiene, mas compartilho a indignação de todos quantos serão, ao logo da vida, vítimas defraudadas por atitudes escarninhas, provindas de esgares dos considerados inúteis de uma sociedade que se suporia organizada e séria, mas que estes conspurcam com o aproveitamento cruel e nefando da boa vontade dos mais débeis quanto às suas opções as quais amavam ver respeitadas.
Sorria-se, sim, mas com a vontade inapagável de tornar a existência de cada um, mais atraente e esperançosa.